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Esse capítulo ficou meio diferente, mas achei necessário. Perdão por qualquer erro de digitação e boa leitura!

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Haviam coisas sobre as quais eu tinha medo de conversar – minha vida antes dos dezoito anos –, haviam coisas sobre as quais eu não gostava de conversar – meu pai, minha mãe, minha irmã – e haviam coisas sobre as quais eu não deixava minha mente chegar perto o suficiente para que conversar pudesse ser uma possibilidade – meu padrasto.

No entanto, isso não significava que eu não quisesse realmente conversar sobre essas coisas, apesar de eu sempre dizer exatamente isso. Era difícil quando tudo o que eu ouvia eram jovens rindo com orgulho ao comentarem de suas amadas mães jogando chinelas em suas cabeças e somente o mero pensamento de minha mãe levantando a mão para mim me fazia estremecer, quando a maioria dos problemas de todos eram com os pais enquanto eu idolatrava o meu pai moribundo que sequer fazia o mínimo, quando eu ouvia que as irmãs dos outros perturbavam-nos o dia inteiro e a minha nunca sequer reconheceu a minha existência quando morávamos na mesma casa. Então eu não dizia nada.

Eu nunca quis e temi tanto uma coisa quanto um relacionamento, fosse romântico ou de amizade.

A confiança, a lealdade, o amor incondicional retratado nas séries, músicas e na vida real. Casais passeando pelo campus e amigas se divertindo em festas. Apesar de Victória ter aceitado minha quietude suspeita e a estranha superproteção que Nora tinha comigo quando morávamos todas juntas, eu sentia uma distância palpável entre nós duas pela pouca informação que eu lhe dava sobre mim. Uma distância que eu começava a perceber se estendendo com Eva também, pelas suas perguntas intrusivas e suspiros frustrados com minha falta de resposta.

Minhas tentativas amorosas eram ainda piores. No início chegavam a ser catastróficas – eu não suportava ser tocada, não suportava ficar por baixo. Por meses achei que não conseguiria estar com um homem novamente, até que descobri que era melhor em dar prazer do que receber. E eu me tornei realmente boa em dar prazer. Elias não percebia, no entanto, que toda vez que eu o deixava me tocar era um voto de confiança importantíssimo que exigia um esforço absurdo da minha parte e ele desprezava.

— Relacionamentos não são sustentados a base de sexo, Natália. — Foi o que ele disse uma vez, quando eu subi no seu colo após uma semana exaustiva de trabalho e faculdade. E eu sabia que Elias tinha razão, o que me deixava mil vezes pior.

Eu tentei, mas era difícil quando os caras falavam de suas famílias incríveis e de seus amigos de infância, perguntavam quando conheceriam meus pais ou como eu e Nora nos aproximamos. O desânimo deles com meus resmungos cortantes contagiavam meus dias. E essa minha disfuncionalidade era constantemente interpretada como galinhagem.

Talvez fosse por isso que eu achei que fosse dar certo com Elias, já que nunca tocávamos no assunto, mesmo que eu muitas vezes tivesse me perguntado o que ele queria de mim se não era sexo e nem conversas profundas. Provavelmente apenas alguém para segurar pela cintura, alguém para chamá-lo de namorado, alguém que se esforçasse por ele apenas para se sentir importante, não importava se fosse eu ou Nora.

Por isso que eu começava a achar que Sandro poderia me entender se eu falasse, tendo um pai mentiroso e sido forçado a ser envolver com tráfico pela segurança da família. E até Eva, depois que descobri sobre a overdose induzida por Rubi e outros homens, além de tão órfã e deslocada no mundo quanto eu. E Victória, obviamente, tendo vivido em um inferno psicológico parecido ao meu por nascer lésbica em uma família homofóbica.

Isso era eu descobrindo que todas pessoas também tinham problemas pessoais, algumas que ainda não se sentiam confortáveis em se abrir e outras que se sentiam até melhores com isso. Eu me senti estranhamente acolhida por perceber isso depois que Nora e sua futilidade saíram da minha vida. Eu não era a única que havia passado por maus bocados, eu não estava sozinha entre toda essa multidão que sofria constantemente por algo. E que era tudo bem não estar tão bem.

VINGANÇAOnde histórias criam vida. Descubra agora