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Perdão pela demora e por qualquer erro de digitação. Boa leitura!

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O sábado amanheceu sinistro. O sol mal brilhava através do denso cobertor cinza escuro que cobria a cidade e não havia uma brisa sequer balançando os galhos esqueléticos das árvores cabisbaixas decorando as calçadas. A sensação era como se o tempo estivesse parado. Dirigir pelas ruas vazias me dava uma nostalgia melancólica de quando meu pai me chamava para uma volta de carro em tardes de feriados, fileiras de lojas fechadas passando pelas janelas, sinaleiros alertando verde e vermelho para ninguém, estacionamentos vazios e um senhor aleatório com barriga para fora e um cigarro no dedo, sozinho em um posto de gasolina.

— Vai cair um temporal. — Victória disse com convicção e desinteresse ao mesmo tempo, olhos fechados e cabeça tombada na direção da janela aberta.

Franzi o cenho, soprando a fumaça do cigarro apertado entre meus dedos amarrados com força ao volante. Nunca fui uma pessoa religiosa, mas às vezes pensava que podia ser sensível. Eu sentia minha aura sintonizada com a cidade moribunda, toda tensa como um arco prestes a atirar e um persistente pressentimento ruim de quem seria o alvo.

— O avião já pousou? — Perguntei, tentando me distrair daquela energia pesada.

— Já. Ela está esperando lá fora.

Ao meu lado, Victória parecia radiante como se fosse o sol do próprio universo e nada pudesse ofuscá-la. Eu a admirava e invejava – não de um jeito ruim, mas de desejar ser como ela ciente de que jamais conseguiria. Ela sempre amou maquiagem e todos os agregados da estética, ficando deslumbrante sempre que se produzia. Mas eu a achava mais bonita daquela forma, vestindo apenas um macacão bege de algodão – que reparei ser meu – e calçando rasteirinhas finas. Os cachos dourados estavam presos em um coque que ela enrolara bocejando ao acordar naquela manhã e a pele escura respirava depois de ter sido lavada apenas com água. Livre de qualquer produto, a beleza de Victória era uma joia bruta, como um soco no estômago.

— Você está muito linda. — Falei com descaso e ela revirou os olhos por baixo das pálpebras fechadas.

— Eu acabei de acordar.

Dei de ombros, tragando mais um pouco do cigarro.

— Você falou com a Eloá? — Ela perguntou depois de um tempo.

Eu respirei fundo. — Sim.

— E?

— E nada. — Bufei a fumaça para fora da janela irritada. — Ele estava drogado, dava para ver. Não disse nada com nada.

— E a maior fofoqueira da história não sabe quem é a mulher de quem o ex dela estava falando. — Ela riu fraco. — Estranho. Ela com certeza saberia de algo. Eles vivem voltando.

— Ela devia se valorizar. Aquele cara estava acabado, quase esfarelando.

Victória riu. — Coitado. Ele é gente boa, provavelmente só estava me esperando para fumar um.

— Ele é bizarro. E estranho não é Eloá saber ou não sobre as mulheres com quem o ex dela se relaciona. Estranho é uma mulher específica querer saber sobre mim através de um cara que eu nunca nem falei na vida.

— Vai ver era só outra ex paranoica.

— Você perdeu a parte "um cara que eu nunca nem falei nada vida"?

— Amiga, você mesma falou que ele estava drogado e não estava falando nada com nada. E ele é meu amigo. Não acho que tenha sido nada demais.

— Tanto faz. Foi bizarro. — Murmurei, apertando o cigarro entre os lábios para fazer a curva na entrada do aeroporto.

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