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Desculpa a demora, eu entrei no pior bloqueio criativo de todos os tempos enquanto organizava os últimos capítulos, mas está tudo sob controle ainda bem.
Por aqui, pequenas menções à violência e aos traumas de Natália e também coisas sexuais explícitas. (Eu acho que me empolguei um pouco nesse último. Socorro?)

Perdão por qualquer erro de ortografia e boa leitura!

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Eu me sentia meio bêbada quando voltamos para a chácara depois da meia-noite em um jipe monstruoso da garagem dos Trindade. Efeito de toda a comida – Teresa praticamente me forçou a repetir três vezes, indignada com as porções pequenas que eu colocava no prato –, do vinho, da alegria e gargalhadas contagiosas e do calor.

Os trigêmeos mal se equilibravam sobre os pés e Sandro teve que levar cada um ao seu quarto, porque Gloria os desafiara a descobrir qual dos três conseguia tomar mais vinho sem ficar bêbado. Enquanto isso, eu e Eva guardamos sobras do jantar que Teresa havia colado em vasilhas de vidro como se pudesse prever que a geladeira estava vazia.

— Precisamos ir às compras amanhã. — Eva bocejou, o rosto parecendo infinitamente infantil. — Quando se mora com quatro homens, você aprende a deixar a dispensa sempre cheia. Quatro dragas. A comida simplesmente some.

Eu ri baixo, cheia de uma sensação borbulhante e quente que prometia se estender pelas próximas semanas.

O jantar foi surpreendentemente bom. Bom o bastante para eu querer ir de novo, apesar da possiblidade de haver perguntas que eu deveria evitar. Descobri um desejo tímido – que apenas pensar sobre fazia minhas orelhas esquentarem – e admiração passando da inveja azeda que senti quando estávamos na porta da mansão dos Trindade. Tudo naquela família emanava lar, todos cheios de certeza e orgulho de suas raízes entrelaçadas, olhos repletos de carinho mesmo quando irritadiços em discussões mesquinhas e engraçadas. Tão cheios de amor que transbordava e queriam me inundar também.

Meio que me lembrou as noites com meu pai. Eu sentada no chão, ele assistindo futebol ou filmes de explosões e carros, a mesinha cheia de cigarros, cervejas, pratos sujos do jantar e minhas apostilas. O comodismo e a rotina. A coisa mais perto de família que tive. Foi inevitável vir logo em seguida a cena dele espalhado sobre a própria poça de sangue, cabeça aberta e olhos estatelados. Eu estremeci, porque ainda doía, mas suspirei e deixei a memória partir tal como veio. Algumas semanas atrás eu me remoeria, miserável e arrasada, com aquela imagem circulando sem parar na minha mente. Mas lentamente ia ficando mais fácil.

Meu passado sempre faria parte de mim, mas eu não era mais parte dele.

Sandro emergiu do corredor e borboletas saíram do buraco em meu peito como morcegos de uma caverna batendo asas loucamente e me fazendo hiperventilar. Eu odiava conversas sérias, não era boa com palavras. No entanto, dependia disso para que o que quer que havia entre nós pudesse voltar à vida nos próximos dias.

Eva estreitou os olhos antes de lembrar: — Paredes de papel. Não me façam ouvir vocês. — E foi para o seu quarto.

Na varanda, acendi um cigarro ao encostar a porta atrás de mim, sentindo o piso fresco de madeira sob meus pés. Havia algo de muito íntimo e agradável em ficar descalça na presença de Sandro, este se sentando no primeiro degrau e esticando as pernas até a grama. Eu me sentei ao seu lado, lembrando que estivemos assim na madrugada do fim de semana passado. Mas estava tudo diferente agora. O silêncio estava confortável, era fácil respirar e até mesmo a noite ali era colorida, pontos amarelos piscando ao longe.

VINGANÇAOnde histórias criam vida. Descubra agora