Capítulo 35 / Guilherme

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Eu já comecei a estranhar assim que o Rafael veio até a minha casa.
Para mim, se uma pessoa me convida para jogar vídeo game, já posso considera-la minha amiga. E foi o que ele fez. Mas nós nunca fomos amigos de verdade, ele era simplesmente o namorado da minha amiga. Nada mais. Ou ex, sei lá... Mas no caminho para sua casa, ele me contou o "plano" todo. A princípio eu achei uma doideira só, porque conhecendo a Fê como eu conheço, e sabendo como ela está furiosa comigo, sei que ela seria capaz de socar as paredes do quarto até elas se quebrarem, só para que ela não precisasse ficar presa em um mesmo cômodo comigo.
Ok, talvez eu tenha exagerado. Mas nem sempre ela é uma pessoa fácil de lidar, com raiva, então...

Só que eu estou arrependido por tê-la magoado, então prefiro arriscar. Além do mais, também tô morrendo de saudades da minha Crazy.

Estatisticamente falando, a julgar pela imprevisibilidade dela, eu tenho 40% de chances de sair vivo dessa, 10% de sair com algumas sequelas leves, e no caso dos outros 50... Bom, seja o que Deus quiser.

Decido não pensar no pior, pelo menos não agora. Então volto a minha atenção para a tela da TV, onde o Mario tinha acabado de ser atingido por uma bola de fogo e a tela ficou preta com a frase GAME OVER em destaque. Sério, de todos os jogos que eu procurei na estante do Rafa, Mario Bros era o único "jogável". Esse cara realmente precisa de uns toques meus.

Ouço passos no corredor, e logo vejo a minha ruivinha entrando no quarto. Meu coração acelera, de medo e felicidade ao mesmo tempo. Rafael não pensa duas vezes e tranca a porta de chave assim que ela entra. Acho que ela nem me viu, porque sua primeira e única reação foi virar e começar a socar a porta, gritando coisas como: "Ei, abram essa droga! Eu vou matar vocês!"  

Vamos lá, Guilherme. Seja forte.

Vou repetir isso como um mantra. Talvez dê certo.

Ando a passos curtos em direção a Fê, que continua xingando e esmurrando a porta. Pobre porta.

Um passo de cada vez.

Seja forte.

50% de chances.

– Oi. – falo

Ela dá um pulo para trás.

– Ahh! O que você está fazendo aqui?

– Não percebeu? Foi um plano deles. Para nos deixar sozinhos.

– Mas que filhos da...

– Ei! Eles só estão querendo ajudar. – defendo

Ela anda na minha direção ameaçadoramente, e eu faço o mesmo, só que para trás, fugindo da sua fúria.

Um tapa no meu braço direito. – E o que você quer? – Outro tapa, desse vez no esquerdo. – Ah, se você soubesse como eu estou com raiva de você... Deveria ter amor à própria vida, sabia? – Mais um tapa. – Se eu fosse você, nem teria vindo aqui.

– Ai! – Acabo caindo sentando no sofá. Ela para na minha frente, uma mão sobre a cintura, a outra erguida, ameaçando continuar a me bater. Apesar de tudo, não posso evitar reparar o quanto ela é linda. Talvez eu seja masoquista por amar uma garota assim.

– Por favor. – levanto os braços em rendição – Me ouça, pelo menos. Eles não vão nos deixar sair daqui enquanto não tivermos uma conversa decente.

– Arrg! – ela bufa e revira os olhos – Ok. O que você tem a dizer a seu favor? – cruza os braços

Seguro as suas mãos, numa vã tentativa de ser romântico, porque ela chacoalha os braços e se solta.

– Nada de contatos físicos sem a minha permissão.

Não consigo evitar uma risada.

– Desculpe, Cleópatra.

– Sem ironias. – ela fecha a mão em punho

– Tá, tá. Foi mal.

– Ah, bom... Agora fala logo antes que eu desista de te ouvir.

Respiro fundo.

Crazy...

– Fernanda! – ela corrige

Reviro os olhos.

– Eu nunca tive a intenção de te magoar quando gritei contigo ontem. Sério, eu fiquei muito mal por isso. Uma vez, quando éramos menores, você me contou. Sabe, sobre o seu pai e tal. E eu me senti mais culpado ainda lembrando daquilo tudo. Você sabe, eu odeio te ver chorando. A última coisa que eu quero na vida é te fazer sofrer. Nós... Nós somos um. – ergo a mão direita – Lembra? – Ahá! Essa foi uma sacada de mestre. Desde que nós tínhamos tipo uns 7 anos, usamos essa expressão. Por que um dia nós estávamos assistindo ao filme Rei Leão 2, e a Fê simplesmente adora aquela cena em que o Simba canta uma música para a sua filha, que o refrão é mais ou menos assim: "Somos mais do que mil, somos um." Aí desde então nós usamos isso. Meio infantil, eu sei, mas costumava funcionar como forma de reconciliação depois de uma briga. Só que esses dias têm sido mais difíceis.

Sua expressão se suaviza por um momento.

– Esse foi um golpe baixo.

– Eu sei. – sorrio

Dá pra perceber a guerra que ela está travando dentro de si mesma: uma parte querendo me perdoar, e na outra o orgulho falando mais alto.

– Não pense que eu esqueci o seu beijo na Vitória. – ela cruza os braços e encara a parede – Não esqueci mesmo.

– Meu Deeeus! – balanço as mãos – Quando você vai esquecer disso?

– Esquecer o quê? Ah, sua traição? Bom, acho que nunca.

Fico de pé, forçando-a a ter que levantar o pescoço para me encarar.

– E o que eu preciso fazer para provar que eu te amo?

Ela levanta uma sobrancelha, mas permanece calada.

Então resolvo brincar um pouco com a sorte.

– Sabe, ela até que beija bem. Não melhor que você, claro. – digo, zombeteiro.

Ela me lança um olhar feroz, mas mesmo assim um sorriso escapa dos seus lábios.

– Como é que é? – mais tapas, só que dessa vez leves.

Puxo-a pela cintura, fazendo com que ela caia sentada na minha perna direita.

– Ora seu...

– Shh... – aproximo meu rosto do seu, sentindo o cheiro do seu perfume doce. – Me perdoa, maluquinha?

Desculpe Dona Morte, mas não vai ser dessa vez.

Eu me encaixei nos 40%. Vou sair daqui ileso, e com a minha Crazy comigo de novo.

O beijo a seguir foi consequência, e nós permanecemos assim pelo que eu imagino ser uma hora, abraçados nos sofá para compensar todo esse tempo em que ficamos distantes um do outro.

– Ei, você não me respondeu.

– Responder o quê?

– Eu perguntei se você me perdoa.

Ela faz uma careta e mostra a língua.

– Você sabe que sim, né!

– Ufa! Pensei que não fosse sair daqui vivo.

Ela ri

– Você tem sorte de eu não estar de TPM.

– Ah, e como tenho...

Ela me encara por um tempo.

– O quê? – pergunto

– Eu te amo.

– Eu também te amo.

Então eu levanto a minha mão direita. Ela dá o seu mais lindo sorriso, e faz o mesmo, entrelaçando seus dedos nos meus. E nós dizemos em uníssono:

– Somos um.

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