Capítulo 16 - Lidando com a solidão

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“Mas as coisas vão acontecendo... As pessoas se vão, ou deixam de nos amar, ou não nos entendem, ou nós não as entendemos... E nós perdemos, erramos, magoamos uns aos outros.” (Cidades de Papel – John Green)

Se a mistura de raiva, decepção e tristeza matassem, com certeza eu não estaria mais aqui e sim num grande caixão branco com rosas vermelhas sob ele. Mas, felizmente (ou infelizmente), ela não mata. Então cá estou eu.

Acordo com o barulho dos alunos tomando café da manhã. Olho para o lado e percebo uma certa bagunça na barraca, então lembro que divido ela com Fernanda. A minha sorte foi que cai num sono pesado depois de tanto chorar ontem, assim nós não tivemos que conversar. Passo a mão pelos meus cabelos para que eu não saia daqui e todos pensem que eu fui atacada por uma revoada de pombos bem na cabeça.

Como em silêncio evitando os olhares estranhos de Fernanda, Guilherme e Rafael. Depois daqui nós teremos algumas aulas de biologia e geografia, mas são tantos alunos que tenho certeza que ninguém vai sentir a minha falta. Então apenas sento atrás de uma árvore e espero as horas passarem.

– Você está bem? - ouço alguém dizer atrás de mim. Viro a cabeça para ver quem é. Daniel.

 – Não. – digo sinceramente, mas num tom de voz normal.

Ele agacha na minha frente para que não precise falar comigo olhando para baixo. – Desculpe... Quer dizer, se eu não tivesse falado nada...

 – Não precisa pedir desculpas.  

 – Claro que precisa.

- Não, não precisa.

– Ok... - ele não parece convencido – Por que você está perdendo as aulas? Isso pode ser ruim pra você.

– Tanto faz.

– Precisa de companhia?

– Não, obrigada. Pode ir embora. – eu realmente não queria ser mal educada, mas foi o único jeito de conseguir com que ele me deixasse em paz.

– Tudo bem. – ele passa as mãos no cabelo – Tchau.

– Tchau.

Permaneço ali com a minha solidão. Depois das aulas, os alunos se reuniram ao redor da fogueira para cantar algumas músicas enquanto o Rafael tocava violão. Ah, o violão...

Não, Karen. Não pense nele. Não pense nele.

Fecho os olhos e acompanho a música que eles estão cantando enquanto algumas lágrimas rolam no meu rosto contra a minha vontade.

Mas talvez você não entenda

Essa coisa de fazer o mundo acreditar

Que o meu amor não será passageiro

Te amarei de Janeiro a Janeiro

Até o mundo acabar...

***********

– Vamos! Todo entrando nos ônibus! – ouço a voz da professora Matilde e o som do seu velho apito. Devo ter passado muito tempo aqui, por que já é hora de ir embora. Corro até a minha barraca e percebo que ela e a minha mochila não estão mais lá. A barraca eu sei que alguém já levou afinal todas são da escola, mas e a mochila?

– Arrumei pra você. – ouço a voz da Fernanda atrás de mim. Ela me entrega a mochila “arrumada”. Na verdade ela só jogou tudo lá dentro e fechou o zíper.

 – Obrigada. – digo olhando para o chão

– De nada. – ela responde

Entro no ônibus e sento no último banco, sozinha. Até que a Vitória aparece do meu lado.

 – Posso sentar aqui?

 – Claro.

Ela senta. – Bom... hm... Você me viu com o Lu ontem, não foi? – ela pergunta meio envergonhada. Jurava que ela não tinha me visto, talvez eu não fosse uma “agente secreta” tão boa assim.

 – O Lucas? Bom, digamos que sim. – respondo

 – Você não vai contar pra ninguém, vai?

– Não, relaxa. Eu não vi nada, não é? – dou uma piscadela

Ela sorri. – Obrigada.

– De nada.

 – Sabe, é que ele disse que ainda não está pronto para “assumir” tudo. – ela faz as aspas com os dedos

– Porque não? – pergunto. Mas no fundo eu não queria saber. Não é da minha conta.

– Não sei bem... Ele disse que prefere assim.

– Ah...

– Você está bem? – ela pergunta

– Eu realmente devo estar horrível, porque você não é a primeira pessoa que me pergunta isso hoje. – dou um sorriso forçado, e ela faz o mesmo.

– Desculpe.

– Não precisa pedir desculpas.

– É porque eu fiquei sabendo do que aconteceu entre você e o Rafa...

– Então todos já estão sabendo? – dessa vez eu não olhava para ela, apenas para as árvores que passavam rapidamente pela janela.

– Acho que sim...

– Hm... – digo. Então o silêncio reina.

Algum tempo depois, nós chegamos e eu desço do ônibus com a mochila nas costas. Avisto de longe a mãe da Fernanda no carro, e decido sair sem que ela me veja, por que eu não vou com elas e não quero ter que dar explicações. Apenas vou andando até a minha casa.

– Quer que eu te acompanhe? – Rafael surge ao meu lado

– Oh, claro. Tudo o que eu mais quero agora é a sua presença. Quem sabe eu não te convide para tomar um chazinho com o Mint? – digo revirando os olhos e apresso o passo para que ele não me alcance. Então ele desiste e volta o caminho.

Chego em casa batendo a porta.

– Suponho que queira comprar uma porta nova. – meu pai diz enquanto lê um jornal sentado no sofá. Acho que ele é uma daquelas raras pessoas no país e no mundo que ainda compra e lê jornais quase todos os dias. – Por que se continuar batendo ela desse jeito, precisaremos de outra.

Ele e esse jeito irônico de me dar broncas.

–  Desculpe. – digo jogando a mochila no sofá

Ele lança um olhar de raio lazer para mim e para a mochila, e eu entendo o recado. Pego ela novamente e a guardo no quarto. Vou para a cozinha beber algo.

– Não vai me dizer como foi o acampamento?

– Bom. – digo

– Você é muito evasiva, filha.

– E o senhor faz muitas perguntas, pai.

– Ei! Cadê o respeito? – ele pergunta sorrindo e eu mostro a língua para ele. Ás vezes ele sabe ser brincalhão.

– Você está bem? – ele me observa com atenção.

Reviro os olhos. – Terceira vez que me fazem a mesma pergunta hoje.

– Então eu devo estar certo.  

– Não está. Eu estou bem, obrigada. – minto e vou andando até o meu quarto antes que ele faça mais perguntas

Pelo menos amanhã não terá aula. A diretora Carmen disse que nos daria uma “folguinha” depois do acampamento. E eu a amo por isso. Melhor assim, já que não vou ter que olhar na cara do Rafael por um dia.

Jogo-me na cama como a Fernanda fez quando estava aqui em casa. Afundo a minha cabeça no travesseiro. Agora nem amigos eu tenho mais... 

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