Capítulo 1 - Nova casa, nova vida

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"A chave é fazer algo que marque você para sempre na memória das pessoas comuns. Algo que importe." (Perdão, Leonard Peacock - Matthew Quick)

O sol bate forte lá fora e, olhando melancolicamente pela janela do carro, eu não consigo parar de pensar que tudo poderia ter sido diferente...

Bom, infelizmente não vou começar isso aqui de uma maneira alegre. Porque eu definitivamente não queria estar aqui. Não mesmo. A decisão de mudar para o Rio de Janeiro nunca fora minha, na verdade. Apenas dos meus pais. Devo dizer que não foi muita surpresa para mim o divórcio deles, sendo que há muito tempo nem eu mesma entendia como aqueles dois se aguentavam. Eles são completamente diferentes. De um lado, meu pai, aquele médico bem sucedido que gosta de viver em família, e a minha mãe é nada mais nada menos que uma hippie. Sim, hippie. Ah, e sem contar que ela não é do tipo que passa muito tempo com um homem só, nem sei como viveu todos esses anos ao lado do meu pai. Então, mês passado eles pacificamente optaram pelo divórcio, e eu estou tendo que ir morar com meu pai já que, segundo ele, "não seria saudável para uma adolescente em fase de crescimento viver ao lado de alguém como a minha mãe", e ela simplesmente aceitou. Não que ela não goste de mim, mas tanto eu como ela sabemos que meu pai está certo e a dona Cíntia sempre zelou pela sua privacidade, então, para ela não foi uma má ideia. Mas para mim, é. É uma ideia horrível. 

Mas não me deram opções. Tive que me separar dos meus amigos, sair da escola em que eu estudava há anos, desapegar de tudo. Acho que a única parte boa disso tudo foi que no mínimo pude trazer o Mint comigo, meu gatinho de estimação. Acho que por um bom tempo ele será a minha companhia, já que todos os meus "amigos humanos" eu deixei em São Paulo.

Só espero que tudo dê certo...

Talvez a segunda parte boa da coisa toda seja o fato de que vamos morar em Copacabana, o que é chique mesmo para mim que sempre tive tudo o que queria. Mas não me entenda mal, não sou aquele tipo de garota rica e mesquinha, muito pelo contrário. Mas se eu tenho que morar em um lugar contra a minha vontade, então que seja em grande estilo, certo?

— Pai! — chamo

Sem resposta. Seu Carlos está extremamente concentrado no trânsito à sua frente, semicerrando os olhos como se estivesse no meio de uma cirurgia de alto risco.

— Pai!!

— Quantas vezes eu já te falei para não me desconcentrar enquanto dirijo, Karen? — Senhoras e senhores, apresento-lhes meu pai. Sempre muito certinho. — Você sabe quantos pacientes vítimas de acidentes de carro eu atendo todos os dias? Sabe os horrores que eu vejo? Não, não sabe. Por isso tento ser o mais cauteloso possível no volante, não quero que nada de mal nos aconteça, e...

— Tá bom, tá bom. — O interrompo. Ele já fez esse discurso tantas vezes que eu já até decorei. — Eu só queria saber se nós estamos chegando.

— Sim, estamos. O nosso apartamento é esse aqui. — Ele responde, e estaciona em frente a um prédio de uns 13 andares (eu acho). Até que é bem bonito, como de fato eu imaginei que fosse. Não muito diferente dos outros apartamentos que eu posso ver aqui por perto. Talvez o diferencial desse aqui seja o jardim lindo bem na entrada, com uma quantidade absurda de flores diversas. Eu pensei que seria como nos filmes, quando você chega e sente logo o aroma floral do jardim e tudo mais, mas, pelo menos para mim, flores não tem cheiro. Então apenas me contento com a bela visão.

O Mint mia bastante do meu lado, preso ao meu braço na sua bolsa de transporte de animais. Pensei que ela nunca teria utilidade alguma quando a comprei no ano passado, e agora cá estamos nós.

— Oh, vocês são os novos moradores daqui? — Um senhor simpático, o porteiro certamente, nos recebe com um sorriso simpático estampado no rosto. Não deve ter mais de 60 anos, acho.

— Sim, somos. — Meu pai responde, educado. — Prazer, sou Carlos. E essa é a minha filha Karen.

— Oi. — Aceno com a cabeça.

— Sejam bem vindos. — sorri — E o apartamento de vocês é o 301. — Ele entrega as chaves do nosso novo "lar doce lar".

Meu pai pega as chaves, agradece e imediatamente segue até o elevador. Pelo jeito, parece que ele já conhece muito bem o local.

Quando chegamos lá, não me surpreendo muito. Tem uma sala bem parecida com a da minha casa, uma televisão de 50 polegadas posicionada em frente a uma mesa de centro com algumas revistas e um sofá bem arrumado. É, bem arrumado... Com certeza meu pai já contratou uma empregada.

— Afinal, cadê o meu quarto? — eu pergunto. De todos os cômodos que já me foram mostrados, esse, claro, é o que mais me interessa. 

— Ali no corredor, ao lado do banheiro. — Meu pai responde, com um sorrisinho de canto e as mãos nos bolsos.

Corro até lá, e ao abrir a porta me deparo com o quarto dos sonhos: Paredes lilases, uma cama enorme cheia de ursinhos de pelúcia (o que na verdade eu não gostei muito, mas valeu a intenção), uma mesa de canto com um notebook e várias outras coisas que não olhei direito porque toda a minha atenção foi voltada para a parte mais importante: a estante de livros. Não há muitos lá ainda, mas no que depender de mim, até o final do ano eu terei tantos que uma estante só não será suficiente. 

Então além do Mint, eu terei também a companhia dos meus refúgios. Menos mau.

Eu pulo nos braços do meu pai.

— Obrigada, obrigada, obrigada! É o melhor quarto que eu já tive! — Apesar de continuar não gostando da ideia da mudança, é indiscutível que esse quarto é tudo que eu poderia sonhar. 

Até que estamos começando bem.

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