Quando eu tinha nove anos, pouco antes de a minha mãe morrer naquele maldito acidente, lembro que ela me disse algo que eu nunca vou esquecer. Era noite e ela estava me colocando na cama, e aí do nada eu disse que a amava, e ela respondeu "Também", e eu, toda inocente, perguntei "Por quê?". Ela sorriu, sempre muito carinhosa, acariciou o meu rosto com uma mão e disse, apenas: "Você é mais especial do que imagina."
Eu me pergunto se isso é verdade. Que eu sou especial. Porque eu não me sinto especial quando tenho um pai que trabalha praticamente o dia todo, e quando volta para casa nem se preocupe em ao menos perguntar como foi o meu dia, ou se está tudo bem. Também não me sinto especial para a Judite, minha madrasta, ela me odeia e não faz questão de esconder isso. Não acho que eu seja tão especial assim, afinal, fui trocada pelo Rafa. E agora o Henrique. Eu pensei que ele gostasse de mim. Pensei que o seu objetivo com todo aquele plano era só, sei lá, talvez se vingar da Karen por ter levado um pé na bunda. Mas aí quando eu vi aquela foto...
Talvez eu não faça tanta diferença assim na vida das pessoas.
Já é noite e eu estou no meu quarto, deitada na cama e fitando o teto. Eu não sou do tipo de garota que gosta de ler, desenhar, escrever ou essas coisas todas que ajudam a passar o tempo. Também não estou muito no clima para ouvir música, então a melhor coisa a se fazer é encarar o nada e talvez até contar carneirinhos (Sabe que ás vezes funciona?) até o sono vir. E é isso que eu faço. Infantil, talvez, mas eu não ligo.
Um carneirinho. Dois carneirinhos. Três carneirinhos.
Meu celular vibra na cama. É mensagem, mas não deve ser nada importante.
Quatro carneirinhos. Cinco carneirinhos. Seis carneirinhos.
Outra mensagem. Decido olhar dessa vez.
Henrique: Não apareça na porta de casa.
Está frio aqui, sabia?
Meu coração dá um salto. Tropeço até a janela do meu quarto e o vejo lá em baixo, sentado na calçada, as mãos enterradas nos bolsos do casaco preto. São 21h30, o que ele pode querer comigo há essa hora?
Outra mensagem.
Repito: Não apareça na porta de casa!
Mesmo estando com raiva dele, eu corro pelo quarto, troco de roupa o mais rápido que consigo e visto meu casaco. Tento não fazer nenhum barulho quando desço as escadas, para não acordar o meu pai e a Judite que já devem estar no seu terceiro sono.
Abro a porta o mais cautelosamente possível e saio, imediatamente sentindo o frio que realmente está fazendo por aqui. Que bom que coloquei o casaco.
Henrique dá um salto ao me ver e fica de pé me encarando.
– Eu disse para não aparecer na porta de casa. – sorri, debochado – Você é teimosa.
Reviro os olhos, me permitindo sorrir um pouco também.
– O que te trás aqui a essa hora da noite? Algum plano mirabolante para separar a Karen e o Rafa do qual você precisa da minha ajuda?
– Não, não. – balança a cabeça – Só queria conversar com você.
– Conversar?
– Conversar. – ele estende a mão para mim – Vamos?
Eu hesito
– Para onde?
– Apenas venha.
Eu não digo nada tampouco seguro a sua mão, apenas sigo andando ao seu lado.
Na esquina da rua ao lado da minha, há um banco de madeira, num terreno que está à venda. Eu acho que aqui já deve ter existido algum tipo de pracinha que foi demolida ou algo do tipo, e sabe-se lá por que não derrubaram o pobre banco também. Eu nunca tinha reparado muito nele até hoje.
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Páginas da Minha Vida [Completo]
Teen FictionKaren é uma adolescente autêntica que levava uma vida normal em São Paulo até que, com a separação dos pais, precisou mudar de cidade. Com isso a sua vida vira do avesso, o que surpreendentemente acaba não sendo tão ruim assim. Quando ela conhece n...