"Na verdade, não é que eu tenha esquecido. Simplesmente deixei de prestar atenção." (Água para elefantes - Sara Gruen)
– Droga, droga, droga! – eu esperneio, enquanto lanço a droga do meu despertador no chão.
Uma das coisas que eu mais odeio é me atrasar (embora isso acabe acontecendo com uma certa frequência), por isso me certifiquei umas mil vezes na noite passada de que o despertador estava programado para a hora certa, e estava: seis horas em ponto. Mas como boa azarada que sou, seria até meio estranho se desse tudo certo nesse primeiro dia de aula.
– Poxa, Irene! Porque você não me acordou? – eu reclamo, sem me dar ao luxo de ir até a Irene na cozinha, porque não posso me atrasar nem mais um minuto. Corro em direção ao banheiro. O meu banho só pode durar 10 minutos para que eu não perca toda a primeira aula de Biologia, de acordo com os meus cálculos.
– Desculpe Dona Karen, mas eu não sabia o horário da sua escola, você não me disse nada e...
– Tudo bem, tudo bem. – eu falo de dentro do banheiro, enquanto tiro meu pijama – Foi mal. E pelo amor de Deus, não me chame de "dona", sou muito nova pra isso.
Tomo um banho relâmpago, visto o uniforme da escola o mais rápido possível, calço meu all star e tento fazer uma make simples pra não ir de cara lavada e causar má impressão.
Pego a mochila e corro em disparada.
– Vamos, pai! Rápido! – Puxo ele pelo braço, guiando-o em direção ao elevador, como se ele não soubesse o caminho.
É impressionante como tudo parece ficar mais lento quando estamos atrasados para alguma coisa.
Quando chegamos ao térreo, encontro Fernanda com uma expressão aflita olhando para relógio no seu pulso.
– Droga, sempre a mesma coisa! – ela bate o pé.
– Hey, vejo que a atrasada aqui não sou só eu.
Ela me olha com uma cara do tipo "salve-me" e eu entendo na hora. No fim, entramos as duas no carro do meu pai, e ele nos leva o mais rápido que pode, dentro das regras de trânsito e tudo mais.
Fernanda me conta que o seu pai é advogado, e ele teve uma reunião de emergência e não pôde levá-la para a escola. Ela ia a pé se eu não tivesse chegado, por isso agradeceu umas dez vezes ao meu pai.
Eu nunca tinha visto a escola antes, apesar de o meu pai ter me chamado várias vezes para visitar o local. Na hora eu não soube nem em que corredor entrar, mas Fernanda simplesmente me puxou pelo braço e nós corremos como duas loucas à procura da nossa sala. Ou melhor, ela procurando e eu apenas seguindo o fluxo.
– Chegamos, é essa aqui. – Ela para, ofegante, em frente a uma sala que tem uma plaquinha na porta com os dizeres: "9º ano B". – Boa sorte, paulista.
Eu rio para tentar disfarçar o nervosismo, afinal, ser novata nunca é fácil. Quando entramos na sala, damos de cara com uma mulher gorda e rabugenta que explicava alguma coisa sobre células até notar a nossa presença. Mas todos desviaram a atenção dela para ver as duas atrasadas.
– Bom, vejo que temos duas atrasadinhas... – A tal professora diz, fechando o livro e se aproximando de nós. – Perderam a hora?
– Sim, desculpe professora Matilde. Não vai mais acontecer. – Fernanda responde por nós duas. Eu meio que só consigo fitar o chão enquanto todos os alunos olham para mim como corujas. – Podemos sentar?
– Sim, podem.
Nós sentamos nas duas últimas cadeiras e enfim as corujas param de olhar.
– Que barra, heim? – cochicho para Fernanda.
– Nem me fale... Quase sempre isso acontece comigo. Quer dizer, chegar atrasa e tal.
– Já que temos duas atrasadinhas, vou me apresentar novamente. – Diz a professora Matilde, olhando para todos os alunos da classe. – Meu nome é Matilde, e sou a professora de Biologia de vocês. Biologia, não ciências. Afinal, vocês já são nono ano, e eu não tolerarei nenhum tipo de brincadeirinha nas minhas aulas. Fui clara?
Arg, que péssimo começo. Atraso, aula chata, professora chata. Parece que biologia será uma das minhas piores matérias se as coisas continuarem assim.
– Sei que a maioria de vocês já se conhecem, mas quero que venham até aqui a frente e se apresentem.
Lá na frente? Ah, não! Tudo menos isso.
Então, um a um, os alunos vão levantando, caminham até a frente da sala, dizem seus nomes e voltam. Até que um garoto meio metido chega cheio de marra. Ele tem um cabelo meio (completamente) bagunçado, e eu me seguro para não perguntar se ele não tem um pente em casa ou algo do tipo.
– Bom, já que todos já me conhecem mesmo, vou me apresentar para a novata ali. Oi gatinha, meu nome é Rafael. – o garoto olha para mim, piscando um dos olhos, se achando o cara mais sexy do planeta. Coitado.
Todos riem, até que a professora bate o apagador na mesa com força e o silêncio voltar a reinar.
O tal Rafael volta para o seu lugar novamente, mas nem por isso deixa de olhar para mim. Então chega a minha vez.
– Agora você, novata. – a professora diz, e todos voltam a me olhar como quando entrei na sala.
Eu vou andando até lá, torcendo mentalmente para que a tremedeira nas minhas pernas não esteja tão perceptível.
– Bom, meu nome é Karen.
– Onde você estudava antes de vir para o Colégio Elite, Karen?
Que droga, não era só pra falar o nome?
– Na verdade eu não morava aqui, e sim em São Paulo.
– Hmm. Se quiser eu te levo para conhecer as maravilhas da Cidade Maravilhosa, Karen. – Rafael ataca novamente.
Lanço um olhar repulsivo para ele.
– Muito engraçado, mocinho. Mais uma dessas e eu te tiro da sala. – a professora diz, muito séria.
– Calma aí, tia. – Ele levanta as mãos se rendendo, e dá um sorrisinho de canto. Metido demais pra o meu gosto.
– Pode sentar, Karen.
No restante das aulas eu pude analisar a minha turma. Há um grupinho dos mais nerds, que só abrem a boca para falar de assuntos escolares, o dos bagunceiros (no qual o Rafael está incluído) e tem os outros alunos que não estão em grupo nenhum, que parece ser o meu caso.
No intervalo, alguns dos alunos "sem grupo" vieram conversar comigo, todos simpáticos. "Hey, gostei de você, novata. Eu tenho um tio que mora em São Paulo também." Uma garota chamada Bárbara disse para mim. Eu quis dizer que isso não faz diferença porque eu não moro mais lá, só que eu não posso chegar já dando essas patadas nas pessoas que tentam ser simpáticas comigo. Então apenas sorri e mandei o meu melhor: "Ah é? Legal." Tentando fazer com que não soasse irônico.
– É, parece que o Rafael gostou de você. – Fernanda diz, olhando para o tal garoto que agora sorri pra mim do outro lado do pátio, cercado pelos amigos.
– E ele me pareceu muito metido... E irritante. Não acho que nos daríamos bem. – Eu tento, sem sucesso, me desviar do olhar dele.
– Olha, você precisa saber de algumas coisas sobre essa escola aqui... – Fernanda vai me passando todo o "manual de sobrevivência da Elite", em que ela me diz várias informações sobre cada aluno e alguns professores do colégio. Dentre essas informações, ela me conta que o Rafael é um daqueles garotos meio populares que arranca suspiros das meninas das outras séries, e que ele já namorou uma garota mimada/chata/insuportável da nossa sala chamada Elisa, e que ela ainda gosta muito dele. Por isso, ela disse, se eu quiser me envolver com ele, terei que tomar cuidado.
– Me envolver com ele? Tá maluca? – O sinal toca e eu sigo andando ao lado de Fernanda em direção à sala, que agora já sei onde fica. Os alunos das outras séries se empurram na escada. Outros maiores, que eu suponho que sejam do ensino médio, andam em seus grupinhos conversando sobre assuntos aleatórios. – E sobre essa tal Elisa aí... Bom, se tem uma coisa que não me mete medo é patricinha arrogante.
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Páginas da Minha Vida [Completo]
JugendliteraturKaren é uma adolescente autêntica que levava uma vida normal em São Paulo até que, com a separação dos pais, precisou mudar de cidade. Com isso a sua vida vira do avesso, o que surpreendentemente acaba não sendo tão ruim assim. Quando ela conhece n...