QUARENTA E TRÊS

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Agora que meu castigo acabou e que estou livre da mediunidade, passo boa parte dos dias na companhia de Ian e de Maya, encontrando-os para um cafezinho, fazendo compras no shopping, vendo filmes, batendo perna na cidade, assistindo aos ensaios da peça nova que Ian participará, feliz da vida por estar de volta à normalidade. E na manhã de Natal, quando Lesley aparece, fico aliviada ao constatar que ainda posso vê-la. 

— Ei, espere aí! — ela diz, bloqueando minha passagem à porta do quarto. — Você não vai abrir seus presentes sem mim, né? — E sorri tão radiante que sua imagem parece quase sólida, sem nenhum resquício do desbotamento de antes. — Sei o que você vai ganhar. — Ela força uma risada. — Quer uma dica?

— Estou adorando não saber de nada, pra variar. — Digo, e observo Lesley ir para o centro do quarto. 

— E por falar em surpresas... — Dá um sorriso — Alex comprou um anel para Alison! Dá pra acreditar numa histórias dessas? Saiu da casa da mãe, arrumou um apartamento só pra ele e está implorando pra Alison voltar!

— Sério? — Digo, feliz ao constatar que minha irmã abandonou de vez as fantasias e parou de copiar minhas roupas: hoje apareceu com um jeans desbotado e duas camisetas sobrepostas.

Ela faz que sim com a cabeça.

— Mas Alison vai devolver o presente, claro. Aliás, pelo menos eu acho. Nem ganhou ainda, então a gente vai ter de esperar pra ver. Mas as pessoas são tão previsíveis, você não acha? 

— Você vai mesmo ficar? — pergunto baixinho, e saio ao corredor, abrindo a porta para ela, mesmo que não tenha necessidade. — Quer dizer, você não tem nenhum compromisso? Algum lugar pra ir?

Lesley acomoda-se no corrimão e desce escorregando, sorrindo e olhando para trás ao dizer:

— Compromisso nenhum. Lugar nenhum. Agora, não mais! 

✶⊶⊷⊶⊷❍⊶⊷⊶⊷✶

Alison devolveu o anel, ganhei um celular novo e Lesley voltou a me visitar todos os dias, por vezes até indo comigo para a escola. Ian começou a namorar um dos dançarinos de apoio da peça; Maya pintou os cabelos de castanho-escuro, excomungou o gótico, começou o doloroso processo de apagar sua tatuagem com laser, queimou todos os vestidos à la Lillian e adotou o look emo.

O Ano-novo veio e foi embora, comemorado com uma reunião simples em minha casa, que incluiu cidra para mim (a essa altura eu já estava oficialmente sóbria), champanhe contrabandeado para meus amigos e um banho de piscina a meia-noite.

Natalie e Spencer continuaram olhando torto para mim, como sempre fizeram, ou talvez um pouco mais nos dias em que me viam vestindo algo bacana, e, entre tudo isso, Noah.

Como o cimento num muro de tijolos, como a cola na encadernação de um livro, ele tem preenchido todos os espaços vazios de minha vida, mantendo a coesão das partes, a solidez de toda a estrutura. Sempre que faço uma prova na escola, lavo os cabelos, faço uma refeição, assisto a um filme, escuto uma música ou tomo um banho de jacuzzi, penso nele, consolada apenas por saber que ele anda por aí em algum lugar — ainda que eu tenha decidido ficar sozinha.

✶⊶⊷⊶⊷❍⊶⊷⊶⊷✶

E eis que chega o Dia dos Namorados. A essa altura Maya e Ian já estão apaixonados — mas não um pelo outro. E embora sentemos juntos na hora do almoço, daria no mesmo se eu estivesse sozinha. Eles estão ocupados demais digitando em seus respectivos celulares para notar minha existência, enquanto meu celular permanece a meu lado, silencioso e ignorado.

— Cara, isso é hilário! Vocês não vão acreditar em como ele é inteligente! — Diz Ian pela milionésima vez, mostrando a mensagem que acabou de receber, vermelho de tanto rir, já pensando na resposta que precisa dar agora.

— Caramba, Josh acabou de mandar, tipo assim, trocentas músicas! E eu nem mereço tanto... — Resmunga Maya, digitando em seu celular.

Embora eu esteja feliz por ambos, feliz por eles estarem felizes e tudo mais, não consigo pensar em outro assunto que não seja a aula de artes no sexto tempo: não sei se vou ou não. Hoje não só é Dia dos Namorados como também é o Dia do Coração Secreto. O que significa que finalmente serão distribuídos aqueles pirulitos em forma de coração, com um cartãozinho rosa amarrado no palito, que eles vêm empurrando nos alunos durante toda a semana.

Mas quando toca o sinal do sexto tempo chego à conclusão de que não posso matar aula. Meus dias de delinquente juvenil já ficaram para trás. Então respiro fundo e vou para a sala, já pensando no desastre de minha obra mais recente. Agora temos de fazer uma pintura ao estilo de um "ismo" qualquer. Escolhi o cubismo, depois de cometer o engano de achar que seria fácil. Não é. Pelo contrário, é muito difícil.

Já na sala, alguém se aproxima por trás, e quando me viro para ver quem é dou de cara com um garoto apontando um pirulito em minha direção. Achando que é um engano, nada digo e volto para minha tela. E quando o tal garoto cutuca minhas costas de novo nem me dou o trabalho de olhar.

— Garota errada, meu amigo — Digo apenas.

Ele resmunga alguma palavra, depois limpa a garganta para dizer:

— Você não é a Emily?

Faço que sim com a cabeça.

— Então pegue logo este pirulito. — Ele balança a cabeça, impaciente. — Tenho uma caixa inteira pra entregar antes do fim da aula.

O garoto arremessa o pirulito em minha direção, e, assim que se afasta, largo o carvão na mesa para ler o bilhete, que diz:

Pensando em você.

Sempre.

Noah.

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