QUARENTA E SETE

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Devo ter desmaiado, mas só por um instante, pois quando abro os olhos novamente Lillian ainda está em cima de mim, o rosto e as mãos salpicados de sangue, sussurrando palavras com sua voz doce, tentando me convencer a entregar os pontos de uma vez por todas, a aceitar a morte e acabar logo com isso.

A proposta até que não era de todo ruim alguns minutos atrás, mas agora, não. A cachorra matou minha família e vai ter de pagar pelo que fez.

Fecho os olhos, determinada a voltar àquele mesmo lugar de felicidade: nós todos no carro, rindo, felizes, tomados de amor. A imagem logo me vem à cabeça, muito mais nítida do que antes, sem a interferência da culpa.

E assim que recupero minhas forças dou um vigoroso empurrão em Lillian, arremessando-a para o outro lado da cozinha. Observo-a batendo contra a vidraça das portas do escritório, provocando uma explosão de cacos por todos os lados.

— Se você queria uma "cena do crime" — Diz, retirando estilhaços do rosto, dos braços e das pernas, os cortes sumindo logo a seguir — Ficou ótimo! Mal posso esperar para ler as manchetes nos jornais de amanhã! — E de um segundo a outro, já sem qualquer arranhão no corpo, abre um sorriso e avança em minha direção, determinada a dar cabo de sua missão. — Você não pode contra mim, Emily — Ela sussurra. — Aliás, essa sua patética demonstração de força está começando a me irritar. Francamente, garota, que espécie de anfitriã é você? É assim que costuma receber seus convidados? Agora entendo por que não tem nenhum amigo.

Desvencilho-me dela, disposta a arremessá-la contra todas as vidraças da casa se preciso for. No entanto, mal completo o pensamento quando sou invadida por uma dor de tal modo lancinante que me deixa paralisada, sem forças para fazer outra coisa senão observar Lillian voltando em minha direção com um sorriso malicioso estampado no rosto.

— O velho truque da cabeça no torno de garras serradas — Ela diz e dá uma gargalhada. — É infalível! Mas, justiça seja feita, Emily, eu avisei. Foi você que não quis me dar ouvidos. Por outro lado, a escolha ainda é sua. Posso apertar o torno um pouquinho mais... — Ela estreita os olhos quando me dobro em duas e vou ao chão, enquanto meu estômago se embrulha de náusea. — Ou você pode... jogar a toalha e acabar logo com esta agonia. É você quem decide. Simples assim.

Tento manter o foco ao perceber que ela se aproxima, mas a visão está embaralhada, sem falar em meus braços e pernas, que estão moles e fracos feito borracha, e ela é muito rápida para que eu possa lidar com isso. Então fecho os olhos e penso: Não vou deixá-la sair vitoriosa. Não vou entregar os pontos desta vez. Não depois do que ela fez a minha família.

E quando cerro o punho para lhe dar um soco, estou tão fraca, atrapalhada e destruída que fico perplexa ao constatar que acerto Lillian na altura do peito, de raspão, e meu braço despenca. Dou alguns passos cambaleantes para trás, completamente sem fôlego, sabendo que meu esforço foi em vão, que um soquinho desses não valeu de nada contra ela.

Fecho os olhos e me preparo para o fim, que agora é inevitável. Que pelo menos seja rápido. Mas quando minha cabeça e meu estômago se acalmam, abro os olhos novamente e vejo Lillian recuando trôpega em direção à parede, apertando o peito e olhando de um jeito acusador para mim.

E quando viro o rosto deparo com Noah bem a meu lado, encarando Lillian e balançando a cabeça, em tom de reprovação.

— Você sabe como se mata um imortal, Emily? — Ele anda graciosamente até o lado de Lillian, que olha dele para mim e de volta. — Infelizmente, nada de decapitações, estacas de madeira ou balas de prata.

— Eu sei como se faz, querido. — Lillian responde em meu lugar. — O que te fez vir aqui? Se tocou que o melhor para você sou eu?

— Por favor! — Noah força uma risada. — Onde está a educação que você tanto se gabava? Não me interrompa! — Ele grita, e eu observo Lillian se assustar brevemente, mas logo se empertiga novamente.

— Não ouse gritar comigo, Noah Auguste. — A mulher coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Mas, permitirei que continue esse seu discurso decorado, para que eu possa matar sua namorada em sua frente.

Noah parece não se abalar com essa ameaça, mas me passa para trás dele.

— Tudo que Emily precisa saber, é que nossos corpos tem sete pontos vulneráveis. — Ele se vira para mim. — O quarto deles, o do coração, é onde guardamos todo o amor que é possível ter. Lillian, você sabe o que significa não é? — Noah inclina um pouco o pescoço para sussurrar para mim. — Agora.

Não entendendo o que ele quer dizer, mas sabendo que não tenho tempo a perder, corro até Lillian que é pega de surpresa, mesmo tendo acesso aos meus pensamentos.

Ela consegue se desvencilhar dos meus golpes, que são incrivelmente fracos.

— Emily, me poupe de esforço. — Ela diz, arrumando a roupa intacta. — Eu vou matar você como matei sua família estupida, e se preciso matarei Noah também.

Aproveitando a distração, ele rapidamente monta nas costas da mulher, puxando o pescoço dela para trás, na intenção de deixar seu busto exposto para que eu ataque-a.

Sem saber como agir, mas enfurecida por Lillian debochar da minha família assim, dou o empurrão mais forte que posso na mulher, acertando em cheio o seu peito e fazendo com que seu corpo seja impulsionado de tal forma que a sua cabeça fica entre os braços de Noah e o corpo se desprende da mesma.

Eu acertei o ponto dela.

Lillian está morta.

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