— Adivinha quem é? — As mãos quentes de Maya foram pressionadas com força contra meus olhos enquanto a ponta do anel de caveira dela deixava uma manchinha em minha pele. E embora meus olhos estivessem cobertos, eu sei que o cabelo preto dela está repartido no meio, o corset preto está sendo usado sobre uma gola branca, sua saia preta novinha está com um pequeno furo próximo a bainha que ela fez com o salto das botas, e os olhos parecem roxos mas isso é porque ela está usando lentes.
Eu também sei que o pai dela não está longe a negócios como ele disse, que o personal trainer da mãe dela é mais "personal" do que "trainer", e que o irmão mais novo dela quebrou o controle da TV mas tem medo de contar.
Mas eu não sei isso tudo por ficar espionando ou porque me contaram. Eu simplesmente sei.
— Depressa, Emily! Adivinhe! O sinal vai tocar! — Ela disse com uma voz rouca como quem fuma uma carteira de cigarros por dia. Eu enrolei um pouco, pensando com quem ela gostaria de ser confundida. — É a Jennifer Aniston?
— Eca. — Ela riu e retirou as mãos dos meus olhos, lambendo o polegar e levando para a mancha recém feita em minha face, mas ergui a mão e acabei sendo mais rápida que ela.
O toque das pessoas acaba revelando demais para mim, é exaustivo, então eu tento evitar sempre que posso.
Pus a mão dentro do bolso que costurei em todos os meus casacos para ouvir música no celular, escondendo os fios brancos da vista dos demais e vi Maya revirar os olhos quando tirei o meu capuz.
— Você está ouvindo o quê agora? — Abaixei um pouco o volume para dar a entender que eu estava ouvindo o que ela falava antes de passar o celular. — O quê? Quem diabos é Slipknot?
Pego meu celular de volta e sendo sincera, eu também não sei. Eu só sei que ele é alto o bastante para entorpecer meus sentidos.
— É uma banda. — Eu disse, desligando e colocando de volta no meu compartimento secreto.
Digo para Maya que a vejo no almoço e vou para aula, caminhando pelo corredor e evitando a mochila que Natalie Hall propositalmente derrubou no meu caminho, enquanto tento ignorar a diária serenata de "perrrrrdedoraaa" que ela sussurra.
Deslizo para minha cadeira, tiro meu livro, caderno e caneta da bolsa, ajeito meus fones de ouvido, visto de volta o meu capuz e solto minha mochila na cadeira vazia ao lado enquanto espero o professor Eric aparecer.
Penso até em tirar um cochilo quando lembro que ele está sempre atrasado. Na maioria das vezes, porque ele gosta de tomar goles da garrafa térmica que ele leva para todo lado.
Isso porque a mulher grita o tempo todo e a filha o acha um perdedor. Eu soube no meu primeiro dia, quando minha mão tocou na dele enquanto eu entregava o meu caderno para correção. Então, sempre que eu preciso entregar algo, só deixo na beirada da mesa.
Rastejei por dentro do casaco, trocando a gritaria do vocalista de Slipknot para algo suave. Todo o barulho não se faz mais necessário agora que estou na sala.
Eu nem sempre fui assim. Eu costumava ser uma adolescente normal, do tipo que ia para festas e enchia a cara até esquecer meu nome e era tão vaidosa com o meu cabelo que eu não sonharia em prende-lo em um rabo de cavalo e o esconder sob o capuz de um casaco.
Eu tinha um pai, uma mãe, uma irmã chamada Lesley, e um cãozinho chamado Manteiga. Eu morava em uma casa legal, com uma ótima vizinhança, em Eugene, Oregon, Califórnia.
Eu era feliz, popular, e estava ansiosa para começar o segundo ano já que eu tinha acabado de me torna parte das animadoras de torcida.
O céu era o limite para uma adolescente com a vida completa como eu. E embora a última parte seja um grande clichê, é verdade.
Mas, desde o acidente a única coisa que eu lembro claramente é de ter morrido.
Aconteceu comigo aquilo que eles chamam de EQM, ou pode ser "experiência quase-morte". Só que estão errados. Acredite em mim, não houve nada de "quase".
É como se num momento minha irmã e eu estivéssemos sentadas no banco de trás do carro, a cabeça de Manteiga descansando no colo de Lesley, e a próxima coisa que eu vi foram todos os air bags explodidos, o carro destruído e eu vendo tudo do lado de fora.
Eu olhei para os destroços - o vidro quebrado, as portas amassadas - me perguntando sobre o que tinha dado errado enquanto eu esperava em pé ali que todos estivessem bem também.
Então eu ouvi um latido e virei para ver todos andando por um caminho, com Manteiga liderando.
Eu juro que tentei ir atrás deles. A princípio tentando correr para os alcançar, mas então diminuindo a velocidade ao ver que estavam mais próximos de mim e escolhendo olhar atentamente ao redor.
Me prometi que levaria apenas um momento, assim eu voltaria e os encontraria. Mas quando fui procurar, a última coisa que vi foi minha mãe acenando para mim enquanto cruzava uma ponte, míseros segundos antes de sumirem completamente.
Eu entrei em completo pânico. Olhei em toda parte. Corri de um lado para o outro, mas tudo parecia igual - branca, brilhante, esplêndida, linda e idiota neve.
Eu me larguei no chão me rendendo ao frio, querendo morrer ali mesmo enquanto meu corpo todo se torceu, chorando, gritando, xingando, fazendo promessas que eu sabia que seriam impossíveis de realizar.
E então ouvi alguém dizer "Emily? Esse é o seu nome? Olhe para mim." A voz sem dono me trouxe de volta para a superfície onde tudo era dor, e miséria, onde tinha um ardor insuportável em minha testa.
Dei uma olhada no homem que me carregava, e olhei nos olhos estranhamente familiares dele e disse, "Eu sou Emily", antes de desmaiar de novo.
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All for us
Mystery / ThrillerEmily, de 18 anos, sobreviveu a um acidente de carro que matou toda a sua família. Agora ela vive com sua tia na Carolina do Sul, sendo atormentada não só pela culpa de ter sido a única sobrevivente, mas também pela sua nova habilidade: ouvir os pen...