QUARENTA E NOVE

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— Feche os olhos e tente imaginá-la. Então, está vendo?

Faço que sim com a cabeça, os olhos fechados. Nós dois estamos no fim de tarde em Summerville. Noah materializou uma linda praia com um pôr do sol de tirar o folêgo.

— Imagine que ela está bem à sua frente. Procure ver a textura, a forma, a cor... entendeu?

Abro um sorriso enquanto a imagem vai se formando na minha mente.

— Ótimo. Agora estique o braço e tente tocá-la. Sinta os contornos com a ponta dos dedos, o peso dela na palma das mãos, depois tente combinar todos os sentidos... a visão, o tato, o olfato, o paladar...já consegue sentir o gostinho?

Mordo os lábios para esconder um risinho.

— Perfeito. Agora tente juntar o sentimento a tudo isso. Você tem de acreditar que ela está bem aí na sua frente. E quando puder vê-la, tocá-la, sentir a textura e o gostinho... ela vai se materializar!

Faço tudo direitinho, exatamente como fui instruída. E quando ouço Noah dar um gemido de decepção abro os olhos para ver o resultado de meus esforços.

— Emily! — Ele exclama, balançando a cabeça. — Falei para você imaginar uma laranja! Isso aí nem fruta é!

— Realmente, de "fruta" isso não tem nada — digo rindo, olhando para meus dois Noah's: a réplica que acabei de materializar e o original em carne e osso bem ao meu lado. Ambos igualmente altos, morenos e tão extraordinariamente lindos que sequer parecem reais.

— O que eu faço com você, hein? — Diz o verdadeiro, esforçando-se para me dar uma bronca. Mas os olhos não deixam, porque nada demonstram além de amor. Noah sempre se deixa trair pelo olhar.

— Hmmm... — Dou uma olhada em meus dois namorados: o real e a replica. — Que tal você me beijar agora? Mas se estiver ocupado demais não tem problema. Seu amigo aí pode quebrar seu galho. Aposto que não vai se importar. — Olho de relance para o Noah fabricado, achando graça quando ele sorri e retribui com uma piscadela, muito embora já esteja desbotando e daqui a pouco vá sumir por completo.

Mas o Noah real não vê graça alguma. Novamente balança a cabeça e diz:

— Emily, por favor. Não é hora para brincadeiras. Você tem muito que aprender.

— Mas pra que tanta pressa? — Digo sem preocupação, ajeitando o travesseiro.

— Só estou tentando recuperar o tempo perdido — Sussurro de volta. Adoro esses momentos só nossos, em que não preciso dividir Noah com mais ninguém. Saber que temos toda a eternidade pela frente não me deixa menos voraz.

Ele inclina-se para me beijar, já nem um pouco preocupado com nossa aula. Materializações, mensagens telepáticas, visões... tudo isso é substituído por algo mais imediato quando ele me empurra contra uma pilha de travesseiros e se esparrama sobre mim, nossos corpos entrelaçados como os ramos de uma videira banhada de sol.

Seus dedos deslizam sob minha blusa e lentamente vão subindo rumo ao sutiã. De olhos fechados, sussurro as palavras que desde muito venho guardando só para mim:

— Eu amo você.

Agora que elas vieram à tona, tenho a impressão de que nunca disse algo mais verdadeiro.

Baixo os olhos para o chão, completamente envergonhada, sentindo-me uma pessoa pequena e carente, odiando-me por não ser capaz de esconder meus ciúmes e minhas inseguranças; odeio o fato de eles serem tão perceptíveis. Não há escudo que dê jeito nisso. Noah teve seiscentos anos para estudar o comportamento humano, para estudar meu comportamento. E eu com apenas dezoito anos.

Ele se afasta, com a expressão confusa.

— É que... preciso de um pouquinho mais de tempo pra me acostumar a tudo isso — Digo, apertando entre os dedos uma costura desfeita da fronha. — Faz tão pouco tempo, sabe? — Sinto um arrepio na espinha só de lembrar que no espaço de apenas três semanas matei sua ex-mulher, disse que o amava e fechei o meu destino de imortal.

Noah olha para mim com os lábios apertados e uma expressão de dúvida no olhar. Embora estejamos a poucos metros um do outro, tenho a sensação de que estamos separados por um oceano inteiro.

— Estou falando desta vida — Vou logo explicando, na esperança de preencher o silêncio e amenizar o clima que se instalou entre nós. — Não me lembro de nenhuma outra, então... isso é tudo que tenho para seguir em frente! Preciso de mais um tempinho, entende? — Digo, sorrindo com lábios desajeitados e inseguros. Mas respiro aliviada quando ele se senta a meu lado e leva os dedos à minha testa, procurando o local onde antes ficava minha cicatriz.

— Tempo não é problema para a gente, né? — Ele responde, me acaricia com os dedos, seguindo para meu rosto até o queixo, e se abaixa para roçar os lábios em minha testa, na ponta do nariz, na boca. — Eu te amo, Emily.

Mas quando acho que vai me beijar outra vez, ele aperta minha mão e se afasta em direção ao mar que acabou de materializar, deixando em seu lugar uma linda rosa vermelha. 

FIM.

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