II

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Abri os olhos. Os raios de Sol que entravam pelo quarto adentro através das frechas da portada reluziam sobre os meus olhos. Passei as mãos pelo meu cabelo e, inspirando fundo, dei um pulo para me levantar da cama. Não estava de veras animado, seria mais uma manhã chata de um dia enfastiante, mas era o que tinha.

Saí do quarto só com as calças do pijama, uma vez que mais ninguém para além do costume estava no apartamento. Caminhei descalço em direção à cozinha, abrindo de seguida o frigorífico e tirando de lá um pacote de leite achocolatado. Fechei a porta do eletrodoméstico e peguei em duas fatias de pão de forma, pus-lhes manteiga de amendoim e juntei-as. Este seria o meu grandioso pequeno-almoço, digno de um rei. Caminhei sonolentamente até à sala, enquanto me deliciava com aquela pequena refeição. Mal sabia eu que a minha paz interior naquela manhã iria ser em breve perturbada.

— Bom dia — cumprimentei o Diogo, que lia um artigo de uma revista.

— Não sei se é — respondeu-me. — Olha — apontou para a revista que acabara de atirar para cima da mesinha.

«Estou muito ansiosa por ver o que o futuro nos reserva e ainda muito mais feliz por ser em breve a sua mulher, pois para sempre serei dele», podia ser lido na capa, acompanhada por uma foto da loira.

— Eu vou acabar por ir parar a um hospício graças a essa mulher — reclamei. Sentei-me ao lado do meu amigo com a revista nas mãos para a analisar melhor.

— A Diana consegue ser bem persistente quando quer. — Diogo comentou.

— Persistente e iludida. Aquela mulher vai querer ser enterrada no mesmo túmulo que eu e aí serei mesmo assombrado para sempre. — Levantei-me para colocar o pacote do leite no lixo, juntamente com a revista.

— Eu sempre te disse que devias tentar reunir-te com os teus pais e procurar outras maneiras de sairem desta situação. Por que é que não me ouviste?

— Porque não podia, Diogo. Ela era a única opção que tinha. Se eu renunciasse o meu lugar seria muito pior. Nenhum de nós quer que o negócio caia definitivamente nas mãos de outra família. Uma vez renunciado o meu cargo, a minha família teria de vender a sua parte. Eu tenho de casar com a Diana. O meu pai quer afastar os Belmonte do negócio e os Pereira só ficarão se me casar com a filha. Assim posso garantir que o negócio permanece com o nosso nome, já para não falar que o pai daquela mulher é bastante influente.

— Não te esqueças que ela não percebe isso. Eu nunca me casaria com alguém só por causa de bens e negócios.

— Acredita em mim. Não é fácil tomar uma decisão assertiva quando estás a ser pressionado pela tua própria família.

— Bem, o que realmente importa aqui é que eu sou o teu salvador e se no dia do casamento precisares de ser raptado, chama aqui o amigo — apontou para ele mesmo.

— Podes crer que irei ponderar nessa hipótese. — Respondi, seguindo caminho até à casa de banho.

— Hoje vais ao Empire? — Pude ouvir a pergunta vinda da sala.

— Muito provavelmente — respondi enquanto lavava os dentes. — Recebi uma chamada do Tiago ontem. Tenho papelada para tratar.

Segundos depois de lhe dar uma resposta, ouvi a porta do apartamento bater. O Diogo tinha saído. Despi-me para entrar na box do chuveiro. Estava sozinho novamente.

A água quente caía pelo meu corpo. Não era uma pessoa que gostava de tomar banho com a água a ferver, porém, de certa maneira, havia algo em mim naquele momento que queria sentir aquele calor e aquela sensação que chegava a queimar. Aquele fogo protegia-me, da mesma maneira que dava cabo de mim.

Tu ainda nos vais enlouquecer com as tuas merdas!

No final daquele banho mais demorado do que pretendia que fosse, saí do box e sequei-me. Pendurei uma toalha na cintura e limpei o espelho embaciado devido ao vapor de água. Olhei-me. Passei a mão na barba, decidi deixá-la por fazer. Sequei o cabelo rapidamente com a toalha.

Ao ouvir a cadela arranhar a porta decidi abri-la.

— Boneca, já acordaste velha? Boa menina! — Dei-lhe festinhas na barriga.

Entrei no meu quarto e vesti um dos meus fatos. Estava pronto para ir trabalhar. Peguei nas chaves, saí do apartamento e depois daquele edifício. Pus-me a caminho de Empire, que não ficava muito longe do centro do Porto. Ao entrar no bar, fui saudado pelas meninas: umas ensaiavam no palco, outras conversavam sentadas nos sofás e as restantes ou limpavam as mesas ou arrumavam o bar e as bancadas. Depois de pôr brevemente a conversa em dia com a Noélia, que trabalhava no balcão, segui em direção ao meu escritório, que ficava no andar de cima. O Tiago já estava lá.

— Bons olhos te vejam amigo! — Ele veio ter comigo para me dar um abraço de boas-vindas, ao qual eu retribuí prontamente. — Quem é vivo sempre aparece, não é mesmo?

— Vocês não se livram de mim tão facilmente — avisei-o, dando-lhe duas palmadinhas nas costas.

— Já soube das notícias, sempre é oficial? — Questionou-me, referindo-se a Diana.

— Vai ter de ser. Não tive outra escolha. Se não aceitar passaremos por uma "crise de sucessão". Prefiro não arriscar. — Sentei-me na cadeira da minha secretária.

— Lá se vão as gajas... E o que vai ser do Clube? — Tiago sentou-se na cadeira do lado oposto da minha.

— Primeiro, as gajas não vão a lado nenhum! E segundo, vou continuar com ele, como é óbvio. Ninguém sabe quem é o verdadeiro dono e é assim que vai continuar. Porém, se acontecer algo a mim e ao Diogo, estará tudo nas tuas mãos e logo depois tu é que decides o que fazer com ele.

— Não sei se consigo aceitar a proposta!

— Tiago, és tu quem tem cuidado mais disto. Tu és a cara do Empire. Nem eu teria conseguido chegar tão longe sem ti. Tu és mais do que nosso empregado, és nosso sócio, assim como eu e o Diogo somos. Vais saber cuidar bem disto, eu garanto-te. — Fiz uma pausa e olhei para a papelada. — Mas então, o que temos aqui?

— Candidatas e candidatos para preencher as vagas abertas. Temos muita coisa a analisar. Já agora, o Diogo?

— Penso que foi para Aveiro por causa da Alice. Falta pouco para oficializarem o casamento dos dois, penso que ele foi lá para tratar de uns assuntos referentes à união.

A manhã passou rapidamente. Saí do escritório às 12h. Fui ver como é que as meninas estavam e saí dali. Estava com alguma pressa, detestava andar com aquela sensação de fome, já para não mencionar que precisava de falar com o meu pai.

Já ia na rua quando levei as mãos aos bolsos e notei que não tinha as chaves do carro nem de casa comigo.

— Merda — praguejei para mim mesmo.

Ao dar meia volta para voltar ao Clube, choquei contra alguém que recuou uns passos, devido ao encontro desastroso.

— Au! — A senhora gemeu de dor com uma mão na cabeça.

— Você está bem? — Agarrei nos seus braços para a ajudar a equilibrar-se.

Ao levantar a cabeça, ela olhou diretamente nos meus olhos. A sua feição antes de me olhar era de dor, agora era de surpresa. Por alguma razão, sentia-me tão surpreso quanto ela aparentava estar. O nosso olhar ficou colado um no outro por instantes.

Aqueles olhos... Eu já os tinha visto noutra pessoa.

Sem a largar voltei a perguntar, desta vez com uma voz trémula:

— Está... Está bem?

— Eu... — hesitou sem desviar o seu olhar do meu. — Eu estou sim, obrigada! — Respondeu-me apressada, soltando-se de mim e seguindo caminho rapidamente.

Vi-a distanciar-se e, ao abaixar o olhar, reparei num cordão de ouro. O seu pendente também era do mesmo metal, em forma de coração, com um diamante no centro. Peguei-o e olhei para a direção em que a mulher seguiu caminho para lho devolver.

Ela já não estava mais ali.

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora