Estava a chover. A noite ainda ia a meio, mas eu já não tinha sono. Detestava aquela casa e detestava muito mais quem vivia nela. Estar ali era como ter um contacto diferente com a morte. Era como se eu também estivesse destinada a desfazer-me em cinzas nas mãos daquela família podre.
O paço era grande. Os Gama, tal como a minha família, eram nobres que se destacaram pelo esforço prestado em nome da Coroa, nas Cruzadas. Com isso, conseguiram merecer um grande patrimônio. Por mais belos que os jardins fossem, o interior causava-me arrepios durante a noite. Não haviam velas suficientes que arrastassem a escuridão dali para fora. Uma triste e mórbida escuridão.
Enrolei-me a um lençol comprido e saí dos meus aposentos com uma vela para iluminar o caminho. Caminhei descalça até ao andar de baixo. Precisava de beber água.
— O que fazeis aqui?
Dei um pulo assim que ouvi aquela voz masculina de quem menos esperava estar ali sentado.
— Vim tomar um copo de água — respondi sem dar muita importância.
— Sem sono? — Insistiu.
— É impossível dormir num sítio como este... Está tão imundo quanto o caráter da vossa família — comentei enquanto observava o teto.
Rodrigo não retribuiu. Limitou-se a observar-me ao mesmo tempo que brincava com uma moeda de ouro. De seguida, deu um pontapé na cadeira à sua frente, fazendo-a afastar-se da mesa.
— Sentai-vos — ordenou.
Ponderei durante uns segundos olhando para a cadeira e depois para ele. Acabei por ceder. Deixei o copo de água num canto e caminhei até à cadeira de madeira velha. Sentei-me fazendo-nos ficar frente a frente. Esperou um pouco e desenvolveu o assunto.
— Sabeis onde isto vai parar, correto? — Manteve-se estático movendo apenas o olhar. — Sabeis porque ainda estais aqui, certo?
— Ide direto ao assunto, Rodrigo — pedi ligeiramente sem paciência.
— O plano deles é casarem-nos. Eles pensam que a única maneira de chegar a um acordo de paz entre as nossas famílias é o nosso matrimónio.
Gargalhei. Mal tinha aberto a boca, já estava farta de o ouvir.
— Ide dormir, Rodrigo! — Levantei-me e arrumei a cadeira. — As insónias estão a dar cabo do vosso juízo.
— Podeis continuar a fugir da realidade, Anabela — suspirou. — Estais prometida a mim. Não tardará, dormiremos na mesma cama.
— Apenas e somente se estiver morta. Só assim conseguirá pôr as mãos em mim — avisei-o.
— Primeiro: não é em vós que quero pôr as mãos, por mais que o seu peito seja algo tentador — revirei-lhe os olhos. — Segundo: não penseis que o quero de tal forma.
— Não vos preocupais com isso. Não me irei casar convosco. Estou viúva, de luto. Não pretendo me casar tão cedo. Muito menos com um Gama.
— Sabeis algo? Já conheci bastantes mulheres. Mas nenhuma me deu tanto gozo como vós — levantou-se também. — Não sei... É algo na maneira em como acredita que tem voto na matéria que me faz rir e rir cá dentro — ironizou. — É realmente algo engraçado de assistir.
Não lhe respondi. Ignorei-o a ele e àquelas palavras venenosas e saí dali, dirigindo-me até ao quarto na esperança que aquela hipótese não fosse a mais acertada.
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Desejo: Fazer-te ficar
Romance[CONCLUÍDO] Duarte Gama, um homem de negócios de 26 anos, sai do bar noturno que gerencia secretamente. Ao constatar que se esqueceu das chaves, recua caminho indo contra uma rapariga. Esta, atrapalhada, pede desculpa e segue a sua vida. Porém, ao...