— Acreditem, foi a coisa mais... marada que já me aconteceu em toda a minha vida — contei ao Diogo e à Alice, enquanto bebia chá e tentava pôr gelo na cabeça.
Um dia tinha-se passado. Depois da luta, levei-nos ao hospital e pedi ao Diogo para ligar a uma ambulância, alegando ter encontrado o Samuel desacordado na rua. No hospital, tentaram convencer-nos a apresentar queixa contra a pessoa que nos "assaltou" e agrediu. A Lúcia não quis apresentar, porém eu fi-lo nas suas costas. Por mais vontade que tivesse de a fazer entender que era o mais correto, não queria arranjar problemas com ela.
A Lúcia, antes de voltar do hospital trocou a roupa que trouxe no dia anterior por um vestido amarelo da Alice que a mesma lhe trouxe ao hospital e passou o resto do dia a descansar no quarto do Diogo, no nosso apartamento. Entretanto, eu e o casal fomos buscar todas as coisas da Lúcia ao hotel e demos o check-out, para ela passar uns dias em segurança em minha casa.
Agora, badalavam as 22h30min, e estávamos os três reunidos na sala.
— Ela parecia bastante indefesa — o Diogo comentou, referindo-se às várias tentativas por parte da Lúcia em se defender.
— As aparências iludem meu amor. — Alice interveio. — Quero conhecer essa poderosa!
Ouvimos um barulho vindo do meu quarto. Eu fui ao corredor ver o que se passava. A Lúcia estava agarrada à cômoda, com uma certa dificuldade em levantar-se.
— O que pensas que estás a fazer? — Ralhei com ela. — Mandaram-te repousar por causa da coluna.
— Isso digo-te eu, e não vês que me safo sozinha? — Lúcia perguntou visivelmente chateada.
— Se não fosse eu, já não estarias aqui — atirei-lhe à cara.
— Fugi uma vez. Poderia fazê-lo novamente — defendeu-se. — Para além disso, tenho fome.
Conseguiu equilibrar-se e caminhou para fora do quarto descalça. A sua cara mudou assim que viu Alice, que também mudou logo a sua expressão sorridente.
— Não... Não pode ser... — Alice disse incrédula, levando uma mão à boca. — É... É ela!! — A loira com os olhos marejados apontou para a ruiva.
A Lúcia não se mexeu. Continuou a olhar para o estado de choque da mulher que estava a alguns metros de si. Fitavam-se como se nada mais existisse no mundo em redor. A recém-casada deixava as lágrimas caírem pela sua face aterrorizada. A outra limitava-se a estar ali, em pé, como se tivesse sido apanhada de surpresa e não tivesse por onde fugir.
— Alice, o que se passa? — O Diogo abanava-a ligeiramente com a mão na coxa para ela sair do estado de choque.
— É ela... — disse num tom baixo e choroso.
Eu e Diogo olhámo-nos e suspirámos. Eu encostei-me à parede cruzando os braços e baixei a cabeça para não assistir àquela cena.
— Alice... — o moreno envolveu a sua mulher com os braços, incentivando-a a ir embora com ele. — Vá, vamos embora... Está tarde e estás cansada, precisas de apanhar ar — disse, enquanto caminhavam lentamente até à porta do apartamento, sem a loira desviar o olhar da ruiva (que também não desviava o olhar dela).
— Mas é ela...! — insistiu visivelmente triste, enquanto atravessava a ombreira da porta, que logo foi fechada pelo Diogo.
A Lúcia abaixou a cabeça ainda a processar o que tinha acontecido. Eu movimentei-me até à sala. Passei as mãos pelos cabelos e suspirei.
— Eu peço desculpa... — encarei-a. — Há uns anos, nós passámos por um mau bocado e ela ficou bastante traumatizada... todos nós, enfim... — caminhei até o sofá maior e sentei-me — mas ela não o consegue controlar... — fiz uma pausa para pigarrear. — Nós nunca mais falámos acerca disso e da... — olhei para ela por não conseguir e não poder finalizar a frase.
— Da pessoa em si... — completou, levantando a cabeça. — Eu consegui perceber... — Caminhou até mim com algum esforço, sentando-se de seguida ao meu lado.
— Esse vestido foi uma prenda dela para a Alice. Que agora é a mulher do Diogo.
— Eles fazem um belo casal! — Tentou aliviar o clima, suscitando um sorriso fraco da minha parte. — Nunca tivemos chance de nos conhecermos propriamente.
Um silêncio incomodo instalou-se no apartamento.
— Sabes uma coisa? — Perguntei, recebendo uma resposta negativa. — A nossa colega queria que a sua primeira filha se chamasse Luna. Tal como o nome que escolheste para seres apresentada. Parece que o destino é perfeito até mesmo nas suas imperfeições.
— Então parece que eu fui enviada — presenteou-me com um sorriso apagado. — Desculpa, Duarte, mas tenho de te perguntar, ela é...?
— A rapariga da foto, sim. Da família Belmonte, irmã da Leonor Belmonte. Filha do Hugo e da Mónica Belmonte. O que me faz lembrar de uma coisa... — encarei-a. — Quem és tu, Lúcia? Porque é que estás aqui? E desta vez, quero a verdade.
Ela olhou para o chão repreensiva. Pensou o que me iria contar durante um tempo e depois lá ganhou coragem. Levantou a cabeça, olhou-me nos olhos e começou a falar.
— Não sou de Coimbra, não foi de lá que eu vim. Nem eu, nem o...
— Samuel? — Interrompi-a e ela assentiu.
— Nós viemos... — ela fez uma pausa e fechou os olhos, como se não quisesse dizer.
— Diz lá — mandei, chateado por ela me ter mentido. — De onde é que tu e o teu queridinho vieram? — Ironizei.
— Nós viemos... — hesitou. Arrependeu-se. — Esquece, Duarte — desistiu, levantando-se para ir embora. — Não quero falar sobre isto hoje.
— De onde? — Insisti. Não me respondeu, fiquei impaciente. — De onde Lúcia?! — Aumentei o meu tom de voz.
— De Sicília! Ok?! — Respondeu-me no mesmo tom, virando-se para mim.
Encarei-a com um olhar não muito amigável. Custava-lhe muito desembuchar de uma vez?
— Sicília? — Perguntei. Anuiu. — Itália? — Confirmei. Assentiu de novo. — Porque haveria de acreditar nisso? — Testei-a.
— Porque é a verdade, Duarte! — Aproximou-se. — Se não quiseres acreditar, tudo bem! Eu já me arrependi de ter vindo para o Porto de qualquer das maneiras...
Eu levantei-me. Ficámos frente a frente.
— Então sabes onde está a porta — provoquei-a.
— É — concluiu notavelmente chateada com a minha audácia. — Se calhar tens razão.
Caminhou em direção do quarto para se calçar e buscar a carteira. Quando voltou, questionei-a:
— Quantas vezes vais ter de sair para perceberes que vais acabar por ficar? — Abri um sorriso ladino. Ela parou de andar, voltando a encarar-me. — Ora, pensava que já tínhamos ultrapassado essa fase, Lúcia... — Caminhei até ela. — Até porque, refletindo melhor, seria um desperdício. Já tens a minha atenção, aquela que tanto querias. E eu sei que é exatamente isso que te mantém aqui.
— O quê?
— O teu amigo... Ele referiu o meu nome numa conversa vossa. Supostamente, estás aqui por mim. Precisas de algo meu. Tu própria o disseste: "e se não fores o jogador, mas sim o peão?". Daqui até Sicília ainda vão umas longas horas de viagem. Vieste aqui por algum bom motivo. O que me leva a perguntar, o que queres? Viajaste para fugir dele ou tem algo mais que se lhe diga? Algo em que eu estou envolvido? Algo que inclui o Rogério?
A Lúcia suspirou.
— Vim aqui para pedir-te ajuda.
— Pedir-me ajuda para quê?
— Para sair do meu furacão. De vez.
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Desejo: Fazer-te ficar
Romance[CONCLUÍDO] Duarte Gama, um homem de negócios de 26 anos, sai do bar noturno que gerencia secretamente. Ao constatar que se esqueceu das chaves, recua caminho indo contra uma rapariga. Esta, atrapalhada, pede desculpa e segue a sua vida. Porém, ao...