Fragmento nº7

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— Que infelicidade... bem, que Deus a tenha.

O homem de barbas pousou uma sacola pesada em cima da mesa.

— É todo seu. Aproveite-o — disse.

Olhei para a pequena sacola. Peguei-a e verifiquei o seu peso.

— Aquela família pensa que fui eu quem matou os seus herdeiros. O pai morreu de desgosto. A mãe espanhola não tem como entrar em Portugal. O meu trabalho foi cumprido com excelência. E espero que isso se reflita no que está aqui dentro, senão, receio que teremos problemas, Sr. Vasco.

— Não se preocupe. A Coroa estar-lhe-á eternamente agradecida — ergueu-se da cadeira. — O seu trabalho e o da sua família está cumprido. Quanto menos espanhóis cá, melhor. E ainda por cima... — pousou uma mão no ombro da filha. — Ganhou uma mulher de bónus.

Levantei-me também para me despedir dele com um aperto de mão.

— Até uma próxima, Pereira.

— Até uma próxima, Gama.

Ele saiu pela porta da cozinha, deixando-me a mim e à loira. Estava prestes a ir deitar-me quando...

— Já vai embora? — A sua voz doce quebrou o silêncio. Encarei-a por cima do ombro.

— Sim. Estou cansado — dirigi-me à saída.

— Onde é que a enterrou?

Parei de andar de novo. Olhámo-nos.

— A Anabela. Onde é que a enterrou?

— Não são coisas para uma menina tão jovem se preocupar com — sorri-lhe, na esperança que me deixasse seguir.

— Porque sinto que me está a mentir?

— Acerca?

— Acerca da morte da Anabela.

— A própria menina a matou. O que a incomoda? — Encolhi os ombros.

— Porque ainda me trata como uma? — Perguntou desta vez. Virei-me de novo para a apreciar. — Quer dizer, eu carrego um filho seu no ventre há pelo menos um mês.

Algo no seu olhar intrigava-me. Parecia triste, um vislumbre de desilusão cobria-os.

— Permita-me a pergunta... — aproximei-me dela. — Por acaso, não estará a confundir as coisas, está?

— Como? — A sua face corou.

— Está apaixonada por mim, Dona Beatriz?

— Hã... — levantou-se da cadeira, visivelmente nervosa. — Talvez...

Esperança, havia esperança naqueles olhos e naquela voz.

— Beatriz... — desviei o olhar. — Eu lamento.

— Como...? Como assim lamenta? — Aproximou-se de mim até estarmos a centímetros de distância. — O que lamenta? — Desesperou-se.

— Eu não gosto de si, Beatriz. A menina... quer dizer, a Beatriz é uma... mulher incrível, é, é linda e inteligente, mas eu... foi só um trato com o seu pai. Sabe disso, não sabe?

— Sei! Mas eu pensei que gostava de mim, da mesma maneira que gosto de si! Afinal... esta situação toda com a Anabela, a nossa primeira noite... Diga-me! — Agarrou-se às minhas vestes. — Diga-me que é verdade! Que tudo aquilo foi verdade!

Segurei nas suas mãos, tirando-as delicadamente do meu corpo.

— Lamento. Não lhe consigo retribuir.

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora