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O pequeno quinteto montava os seus instrumentos na parte mais elevada do salão. Os empregados da casa espalhavam as cadeiras e posicionavam maior parte das mesas redondas num só canto. A agitação era animadora e admito que me trazia um certo conforto e estranha calmaria.

Deviam ser umas 20h. Já tínhamos jantado e os convidados estariam para chegar às 21h. O cheirinho a petiscos de todas as variedades e gostos já seduziam o meu nariz. Por sua vez, o monte de bebidas alcoólicas lembravam-me de uma noite em que passei em casa da Alice, em Aveiro.

Enfim. Noites mágicas, manhãs trágicas.

E não é que afinal o seu namorado era ninguém mais, ninguém menos, do que o Diogo Gama? Primo da minha irmã? Creio que é das poucas informações de que me lembro daquela noite.

Eu evitava beber, graças ao meu pai. Tinha medo do que poderia acontecer assim que pegasse numa garrafa. Parecia a queda perfeita para um poço sem fundo, cheio de memórias amargas e de uma eterna infelicidade. E eu não queria afogar-me nele. Eu merecia algo melhor para mim do que isso.

Mas com a Alice foi uma estreia. Nem sequer me recordo do porquê me ter permitido a tal. No entanto, a Alice parecia trazer (ou arrastar-me para, parece-me o termo mais correto) uma loucura contagiante consigo. Era a imprudência em pessoa, mas uma imprudência boa, que nos enxotar o medo para o canto pelo menos uma vez.

Foi divertido. E ninguém morreu, nem andou à pancada, nem berrou com ninguém. Isso já me deixava contente.

Decidi que estava na hora de me preparar. Tomei um banho rápido e ao vestir-me optei por um vestido azul ciano. Era simples, ligeiramente decotado e o que lhe dava o verdadeiro toque era a fenda do lado esquerdo, que revelava uma boa parte da minha coxa. Apanhei o cabelo num rabo de cavalo, deixando apenas uma mecha solta que fiz questão de deixar ondulada. Calcei por fim uns sapatos de salto-alto prateados. Decidi optar por joalharia de prata, como um colar que me favorecia o decote e uns brincos longos.

— Vê-se mesmo que é hoje que vamos conhecer o teu namorado... — a Leonor comentou, admirando-me desde a porta do meu quarto.

— Já disse que ele não é meu namorado! — Senti as minhas bochechas arderem. A loira aproximou-se.

— Bem, vai querer ser quando te vir assim. — Admirámo-nos ao espelho. — Ai, a juventude ficava-me tão bem...

— Não entendo porque dizes isso. Ninguém te dá a idade que tens!

— Ninguém, retirando o meu CC — brincou e sentou-se na cama em modo de derrota, fazendo-me rir.

— Como te sentes em relação ao que vai acontecer esta noite? — Perguntei-lhe.

Foram vários os convidados para a festa. E pela primeira vez, teria o prazer (ou não) de conhecer os Santos Gama, que viriam acompanhados pelo Rui – o ex da Leonor. A família Pereira também estaria presente.

— Hm — encolheu os ombros indiferente. — Ele que venha! Olha eu muito ralada...

— Meninas! — Amanda, a secretária do meu pai que morava connosco, chamou-nos. — Vários convidados já chegaram. Os vossos pais chamam-vos do hall da entrada!

Nós descemos, dando de caras de imediato com a família Gama.

— Oh, aqui estão vocês! — O meu pai deu-nos espaço para nos integrarmos na conversa, mas deu-me especial atenção. — Esta é a minha filha emprestada, a Vera.

"Não parecem tão ameaçadores quanto isso", pensei.

— É uma honra conhecê-la finalmente. Vejo agora porque o seu pai a fez um segredo de Estado, a sua beleza é invejável! — O mais velho segurou delicadamente nas mãos. — Chamo-me Félix. Esta é a minha mulher, Sara e estes são o meu filho, Diogo Gama e o meu sobrinho, o Rui.

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora