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(Ano 2013, Porto – Universidade do Porto)

— Eles vão matar-nos! — Ela dizia repetidamente de um jeito ofegante, por estarmos a andar num passo consideravelmente acelerado. — Era suposto eu evitar que isto acontecesse! É o teu primeiro dia fora de casa e já estás a deitar tudo a perder!

— Eu não tive culpa! Estava a ajudar uma rapariga com a máquina de comida! — Defendi-me. A loira limitou-se a bufar perante os meus contratempos e o montão de escadas que ainda tínhamos de descer para chegar ao carro.

— Se a tua mãe te chatear, eu não ponho as mãos no fogo por ti de novo! — Avisou, fazendo-me encará-la.

— Estava só a tentar ser uma boa samaritana, tal como ela me ensinou!

No segundo seguinte, senti-me embater contra o peito de alguém. Com a tamanha velocidade que ia quando fui contra a pessoa, recuei um três passos e levei as mãos à cabeça. Estava zonza e agora abandonada pela minha irmã, que pareceu não se importar o suficiente para esperar por mim.

Ao voltar à realidade, reparei que o rapaz apanhava os livros que se tinham espalhado pela distância que nos separava. Mais uma vez, o meu fator azar tinha entrado em ação e tinha prejudicado a vida de outras pessoas pelo caminho.

— Eu peço imensa desculpa! — Desculpei-me, vendo-o a pôr os livros na mala bege a tiracolo que também tinha caído. — Eu sou tão desastrada! Estás bem?

Ao erguer a cabeça, pude finalmente ver bem quem foi o pobre coitado que teve o azar de ser abalroado por uma caloira.

Ele tinha cabelo loiro, olhos azuis e o maxilar bem desenhado. Parecia analisar-me com cuidado. A suspeita no seu olhar não passava despercebida e a julgar pela sobrancelha erguida, eu não lhe era indiferente.

— Conhecemo-nos? — Perguntou depois de alguns segundos de puro silêncio misterioso.

— Não sei. Eu pelo menos não te conheço. Pareço-te familiar?

Cruzou os braços. Pôs-se a olhar para mim ainda mais empenhado na tentativa de desvendar a minha identidade. Depois de me olhar de cima a baixo, agarrou gentilmente no meu queixo. Virou a minha cara para analisar-me de perfil e, de seguida, admirou as minhas mãos.

Os seus lábios desenharam um sorriso ladino. Talvez tivesse chegado a algum lado. Contudo, eu continuava a não reconhecê-lo.

— E pensar que só te vi uma vez na vida e achei que não te veria mais... — disse ele num murmúrio, na expectativa de não ser ouvido.

— Onde? — Perguntei involuntariamente.

O rapaz ajeitou a alça da sua mala, aparentava querer partir sem me dar resposta. Deixou escapar um pequeno riso.

— Até um próximo encontro, Belmonte.

Passou por mim e começou a descer as escadas, deixando-me sem uma resposta concreta. À procura de saciar a minha curiosidade, desci as escadas atrás dele.

— Espera! — Chamei-o, acelerando o passo. — Como te chamas? — Perguntei alto para ele me ouvir.

— Não queiras saber! — Respondeu de volta de longe, entrando num Mercedes-Benz preto de seguida.

Apreciei o carro partir viagem. Parei no tempo pesquisando mentalmente alguma cara que eu já tivesse visto que lhe fosse semelhante.

— Vera! — A Leonor chamou-me do estacionamento. — Então?! Estás a brincar com o fogo ou quê?!

— Estou a ir!

Desci as escadas e corri até ela, que entrou no lugar do condutor.

— Obrigada por esperares por mim, maninha — dei-lhe um beijo na bochecha.

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora