III

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[!] Neste capítulo será tratado de forma explícita um momento de autoagressão. Se achar que será um gatilho, não leia, e se precisar de falar, estou disponível.

— Ela apresentou-se como Lúcia Matoso, vinte e cinco anos. De Coimbra. — Tiago atirou o ficheiro para cima da secretária.

— Lúcia? — Agarrei na ficha dela para a analisar.

— Achas que é ela? — Tiago perguntou-me, ao notar que eu estava a admirar a foto da rapariga.

— Tenho a certeza — respondi-lhe. — Olhei bem para ela, apesar do nosso "encontrão" ter sido curto - olhos azuis, cabelos ruivos, boca pequena - é, é ela — confirmei. — Tem de ser.

— Lá vamos nós outra vez — Diogo comentou escusadamente.

— Não comeces. — Retribuí-lhe, direcionando-lhe o meu olhar. — Ela — voltei a analisar a fotografia. — Há algo nela...

— Coitada da Diana. Nem teve chance e já perdeu contra uma desconhecida — o mais velho comentou.

— O que foi? — Direcionei-me ao Tiago. — Eu só quero testar uma teoria minha. Para além do mais, penso que isto lhe pertence. — Tirei o fio de ouro do bolso das calças.

— Tens a certeza que queres fazer isto, Duarte? — Diogo questionou-me, pousando uma das suas mãos no meu ombro. — Isto não tem que ver com ela, pois não?

— Não — respondi prontamente.

Claro que não. Nunca tem. Não é Duarte?

— Tiago, — ele encarou-me assim que o chamei — liga-lhe e diz-lhe que ficou com a vaga. Faz com que ela venha cá o mais rápido que puder.

— Mas ela nem fez os testes necessários para... — começou a explicar-se, sendo interrompido de imediato por mim.

— Não há azar. Preciso de falar com ela o mais rápido possível para pôr isto para trás das costas.

Ele assim o fez. A resposta que obtivemos foi que ela viria por volta das 16h da tarde para tratar dos papéis. Averiguámos as restantes candidaturas e um tempo depois decidi então sair daquele local.

"Isto não tem que ver com ela, pois não?"

As palavras que o Diogo havia dito mais cedo ecoaram na minha mente, mas foram logo descartadas por algo dentro de mim que nem eu sabia muito bem o que era. Algo parecido com esperança, camuflada por uma antiga euforia que parecia ter reaparecido. Uma conhecida adrenalina corria-me pelas veias, corroía-me por dentro e deixava-me inquieto. Estava a ganhar forma, outra vez.

[!]

Que coisa mais ridícula. Apanhado por uma ruiva, outra vez.

Entrei no meu carro e comecei a dirigir, que sinceramente adorava fazer, de uma forma um tanto imprudente, pelas estradas apertadas do Porto. Parei no semáforo vermelho, tentei com toda a força ignorá-lo.

Patético. Sempre a tentar arranjar o mínimo para pores a culpa no destino quando tu é que gostas de correr sempre atrás dos esqueletos.

Toda a adrenalina e euforia anterior começavam a dar gás ao que não deviam. Respirei fundo para tentar manter a calma o máximo que possível, agarrando o volante como se isso me prendesse à realidade.

Arranquei com o carro quando o sinal ficou verde.

Não consegues esquecê-la e isso é um facto. Vais fazer o mesmo que fizeste às outras todas só para acalmares essa tua obsessão e solidão? Já reparaste o quão doente tu és lá bem no fundo?

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora