XXIV

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— O inspetor que trabalhou no caso é chegado à tua família. Creio que é o pai da Diana — abaixou a cabeça. — Ouve, eu sei que é muito para assimilar...

— Por que é que o queres? — Perguntei-lhe sem obter uma resposta para além de um olhar receoso. — Lúcia, entende o seguinte: eu não minto. Logicamente também não gosto que me mintam. Já vi que se trata de algo muito maior do que ter uma conversa com o inspetor. Muito mais, depois do que se passou ontem. Logo, por questões de reciprocidade, gostava que me dissesses um pouco mais do que te trouxe até cá e do porquê de quereres tanto falar com ele.

— Não quero, Duarte. É um assunto bastante delicado para mim. Já para não falar que é perigoso também. Afinal, trata-se de uma enorme rede de tráfico humano, ao qual eu fui vítima e que por pouco não escapei. — Levantou-se e caminhou até à lareira. — Eu ando à procura de uma pessoa que creio ter sido uma vítima também. Preciso achá-la o mais rapidamente que possível antes que seja tarde. E ele é a minha única hipótese.

— Não gosto do rumo de que esta conversa está a tomar — levantei-me também. — Queres que colabore contigo, mas não queres confiar em mim.

— Duarte! — Encarou-me. — Já te disse que não te quero pôr em sarilhos. Já confiei em ti uma vez, agora chegou a altura de me demonstrares que também consegues fazer o mesmo. Sem muitos detalhes, sem muitas perguntas. É melhor assim.

— Desculpa — voltei a sentar-me. — Se não me contares o mínimo, nada feito.

Ela bufou e olhou-me furiosa pela minha persistência. O Samuel tinha razão, que puta de teimosia.

— Entende uma merda, Lúcia:.. — levantei-me e aproximei-me dela já impaciente — ...eu posso fazer muito mais do que aquilo que me pedes se me deres mais informação. Não preciso saber quem é essa pessoa ou o que é que te aconteceu ao longo dos anos. Preciso sim de saber como é que aconteceu e quero saber se aquele cabrãozito a que tu chamas de "meu amor" está envolvido nisto. Porque, pelo jeito que tem vindo a atuar, parece que sim.

— Achas que o...? Achas que ele está metido nisto?! Ele tem me ajudado!

— Eu lá sei, Lúcia! — Exaltei-me. — Ele vem atrás de ti, maltrata-te e tu queres que eu não pense nas várias formas em que ele pode estar envolvido nesse esquema? Tu já olhaste bem para a minha cara esta noite?! — Apontei para a rachadura que tinha no lábio. Ergui a minha camisola para lhe mostrar as várias escoriações que davam cor ao meu corpo. — Já olhaste bem para ti própria sequer?!

— Ele não está envolvido nisto! Não seria capaz disso! Não depois de tudo... — pareceu ponderar durante uns segundos. — Não, — abanou a cabeça para afastar aquela hipótese descabida para ela — é impossível. Temos o mesmo objetivo.

Se o objetivo de ambos for andar a espancar gente à 1h da manhã...

— E ele agiu daquela maneira porque estava preocupado comigo... E bêbedo. — Explicou-se. Soltei uma gargalhada.

— Ah, é claro. Claro que estava — dei meia volta para me afastar dela. — Eles estão sempre preocupados convosco, não é? Até mesmo quando vos espancam, ou quando espancam os outros que vos estão a tentar ajudar! Não é? É claro! Eu é que fui mal-ensinado, estou a ver. Pois. Só pode ser! Tenho de lhe pedir para me dar umas lições de cavalheirismo e gentileza... — ironizei como consequência da minha incredulidade que estava a sentir perante a resposta dela.

— Duarte, já te expliquei que a nossa relação é um tanto complicada. Mas ele não é má pessoa e nunca foi fisicamente agressivo para mim.

— Aquilo para ti não é agressividade?! Foda-se, Lúcia, isso é preocupante!

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora