— Este não é o nosso momento.
Desci devagar a minha perna e libertei a sua cintura. Distanciei-me dela, levantando-me do sofá. A ruiva limitou-se a observar-me. A maneira sedenta como me olhava modificou-se para algo mais melancólico. A cabeça dela parecia querer tombar e os olhos dela piscavam lentamente, como se pesassem.
— Lúcia? — Chamei-a ao segurar-lhe levemente no queixo para manter a sua cabeça erguida. O seu olhar tinha perdido todo o tipo de felicidade que carregava. Estava a remoer nalgo.
— Tive saudades tuas... — murmurou. — Ainda bem que ele não veio...
Normalmente, o efeito do álcool no sangue faz com que o ser humano revele aquilo que sente e, mais do que isso, faz com que ele aja perante as suas necessidades, fá-lo agir perante aquilo que lhe falta.
Os seus lábios começaram a tremelicar ligeiramente, e o seu mar azul parecia ter ganhado vida e transbordado.
— Por favor, não me deixes voltar para lá... — confessou, agarrando-se a mim enquanto chorava desalmadamente. — Eu não quero voltar com ele...
Fui tão apanhado de surpresa com aquela reação que, pela primeira vez, não sabia o que fazer. Retribui-lhe aquele aperto desesperado, aconchegando a sua cabeça.
— Já passou... já passou... — repeti aquele mantra várias vezes para ver se acalmava o seu choro.
— Não me deixes voltar para lá, não me deixes voltar para lá, eu peço-te! — Soluçou. — Eu não conseguirei aguentar...
— Ei, tem calma. — Eu deitei-me no sofá e puxei-a para perto de mim. Ela pousou a sua cabeça no meu peito e o resto do corpo acomodou-se no meio das minhas pernas. Acariciei o seu cabelo e beijei-a no topo da cabeça antes de emoldurar a sua face com as minhas mãos, obrigando-a a olhar para mim. — Eu não deixo, sim? Tu não vais voltar para lá, eu protejo-te — abracei-a.
"Seja onde o 'lá' for."
Ela está a esconder-te coisas, Duarte. Como podes estar tão calmo quanto a isso?
Os soluços e o choro diminuíram à medida que lhe ia dando carinho. A Lúcia apagou-se por completo minutos depois. Peguei-a ao colo, fui até ao seu quarto e deitei-a na cama. Ajeitei-a e aconcheguei-a com os lençóis brancos e finos de verão.
Já eram quase nove da noite. Permiti-me a tomar um duche rápido.
O que ela estava a esconder-me? Por que é que se recusava a contar-me sóbria? Quem era "ele" e onde seria o "lá"? Uma antiga relação perturbada? Seria isso?
Mesmo depois daquele banho, sentia-me um caco. Estava estafado, como se fosse aquele entre nós dois com as emoções à flor da pele. Um descanso era mais do que merecido.
A noite virou de repente, começando a chover e a trovejar. "Maravilhoso", pensei. Adorava quando chovia de noite. Deitei-me no sofá a admirar o teto. Fechei os olhos e três horas depois acordei ao sentir uma presença.
— Desculpa, não queria acordar-te! — A Lúcia falou baixinho do meu lado.
— Como é que estás? — Sentei-me corretamente ainda sonolento.
— Dói-me a cabeça... — sentou-se do meu lado. — Fiz ou disse algo que não devia? — Perguntou-me constrangida. — Podias ter ido embora.
— Apenas fiquei para cuidar de ti. Não fizeste nada de mal, não te preocupes.
— Obrigada, Duarte, não sei como agradecer-te! — Sorriu gentilmente.
— Que tal começares por me explicar o que aconteceu para não teres ido trabalhar? — Aproveitei a deixa.
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Desejo: Fazer-te ficar
Romance[CONCLUÍDO] Duarte Gama, um homem de negócios de 26 anos, sai do bar noturno que gerencia secretamente. Ao constatar que se esqueceu das chaves, recua caminho indo contra uma rapariga. Esta, atrapalhada, pede desculpa e segue a sua vida. Porém, ao...