XIII

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— Este não é o nosso momento.

Desci devagar a minha perna e libertei a sua cintura. Distanciei-me dela, levantando-me do sofá. A ruiva limitou-se a observar-me. A maneira sedenta como me olhava modificou-se para algo mais melancólico. A cabeça dela parecia querer tombar e os olhos dela piscavam lentamente, como se pesassem.

— Lúcia? — Chamei-a ao segurar-lhe levemente no queixo para manter a sua cabeça erguida. O seu olhar tinha perdido todo o tipo de felicidade que carregava. Estava a remoer nalgo. 

— Tive saudades tuas... — murmurou. — Ainda bem que ele não veio...

Normalmente, o efeito do álcool no sangue faz com que o ser humano revele aquilo que sente e, mais do que isso, faz com que ele aja perante as suas necessidades, fá-lo agir perante aquilo que lhe falta. 

Os seus lábios começaram a tremelicar ligeiramente, e o seu mar azul parecia ter ganhado vida e transbordado.

— Por favor, não me deixes voltar para lá... — confessou, agarrando-se a mim enquanto chorava desalmadamente. — Eu não quero voltar com ele...

Fui tão apanhado de surpresa com aquela reação que, pela primeira vez, não sabia o que fazer. Retribui-lhe aquele aperto desesperado, aconchegando a sua cabeça. 

— Já passou... já passou... — repeti aquele mantra várias vezes para ver se acalmava o seu choro.

 — Não me deixes voltar para lá, não me deixes voltar para lá, eu peço-te! — Soluçou. — Eu não conseguirei aguentar...

 — Ei, tem calma. — Eu deitei-me no sofá e puxei-a para perto de mim. Ela pousou a sua cabeça no meu peito e o resto do corpo acomodou-se no meio das minhas pernas. Acariciei o seu cabelo e beijei-a no topo da cabeça antes de emoldurar a sua face com as minhas mãos, obrigando-a a olhar para mim. — Eu não deixo, sim? Tu não vais voltar para lá, eu protejo-te — abracei-a.

"Seja onde o 'lá' for." 

Ela está a esconder-te coisas, Duarte. Como podes estar tão calmo quanto a isso?

Os soluços e o choro diminuíram à medida que lhe ia dando carinho. A Lúcia apagou-se por completo minutos depois. Peguei-a ao colo, fui até ao seu quarto e deitei-a na cama. Ajeitei-a e aconcheguei-a com os lençóis brancos e finos de verão.

Já eram quase nove da noite. Permiti-me a tomar um duche rápido.

O que ela estava a esconder-me? Por que é que se recusava a contar-me sóbria? Quem era "ele" e onde seria o "lá"? Uma antiga relação perturbada? Seria isso?

Mesmo depois daquele banho, sentia-me um caco. Estava estafado, como se fosse aquele entre nós dois com as emoções à flor da pele. Um descanso era mais do que merecido.

A noite virou de repente, começando a chover e a trovejar. "Maravilhoso", pensei. Adorava quando chovia de noite. Deitei-me no sofá a admirar o teto. Fechei os olhos e três horas depois acordei ao sentir uma presença.

— Desculpa, não queria acordar-te! — A Lúcia falou baixinho do meu lado.

— Como é que estás? — Sentei-me corretamente ainda sonolento.

— Dói-me a cabeça... — sentou-se do meu lado. — Fiz ou disse algo que não devia? — Perguntou-me constrangida. — Podias ter ido embora.

— Apenas fiquei para cuidar de ti. Não fizeste nada de mal, não te preocupes.

— Obrigada, Duarte, não sei como agradecer-te! — Sorriu gentilmente.

— Que tal começares por me explicar o que aconteceu para não teres ido trabalhar? — Aproveitei a deixa.

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora