XXVI

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[!] Neste capítulo será relatado momentos de violência e tortura. Se achar que será um gatilho, não leia, e se precisar de falar, estou disponível.

- Lembras-te de eu te dizer que uma colega minha queria que o nome da sua primeira filha fosse Luna?

- Sim...? - respondeu-me.

- A primeira vez que a vi tinha 15 anos. Tocava piano com uma grande emoção e foi impossível esquecer-me dela. Anos depois, no meu último ano do secundário, morei na casa dela. Nunca a vi, porque os pais dela não queriam que a conhecesse. Nós vivíamos nos anexos, ela tinha aulas em casa e portanto nunca nos cruzámos por incrível que pareça.

- Duarte, porque me estás a contar isto? - O receio na sua voz era perceptível.

- Conheci-a de verdade na universidade - ignorei a sua pergunta, continuando o que tinha para lhe contar. - Ela tinha acabado de entrar em Belas Artes. O engraçado foi que, logo que a vi, soube que ela não era comum. Algo nela despertava algo em mim, algo adormecido que eu nunca tinha sentido antes. Tornámo-nos amigos, e de amigos passámos a melhores amigos, até ela admitir que eu não lhe era indiferente. A Verónica já me tinha ganhado há muito tempo. Era impossível o contrário acontecer. Tudo nela, até o último detalhe, fazia dela uma completa obra prima que eu tive chance de admirar e de amar. E tudo o que eu era, até ao último átomo que me completava, necessitava-a. Necessitava daquela voz, daquele carinho, daquele sorriso, daqueles lábios, daquele toque, daquele calor, daquele fogo. De tudo aquilo que só ela me sabia dar.

Eu olhei para a ruiva, que se esforçava para não retribuir o olhar.

- Ela era muito parecida contigo. - Continuei. A Lúcia encarou-me automaticamente. - Cabelos ruivos, olhos azuis, boca pequena e encarnada. O seu corpo parecia irreal de tão bem desenhado que era. Era extremamente inteligente, era meiga, mas também sabia ser dura e sabia quando elevar o tom de voz. Era o sonho de qualquer pessoa, a começar por mim. Não era só o poder que me possuía, era a alma dela que me conquistava. A mim e a qualquer outro com um gosto minimamente decente. A minha vida, a minha perdição, a pessoa por quem eu perdia a cabeça por causa dela e por ela, era a Verónica.

Admirei o céu estrelado. Tinha aquilo tudo no peito e sabia bem deitar para fora.

- Ela era tudo de bom, a coisa mais boa que alguma vez tive a chance de conhecer e amar. E por norma as coisas boas acabam depressa. Esta, não foi uma daquelas que fugiu à regra...

Levantei-me e caminhei para a extremidade lateral da ponte.

- Eu fiz asneira. Como sempre faço. No aniversário de casamento dos pais, quando nos beijámos pela primeira vez, o meu disfarce caiu, graças à Diana. Sim, porque aos seus olhos eu não era o Duarte Gama, mas sim o Félix. - Sorri com a lembrança. - A Diana interrompeu-nos alegando que eu era o noivo e o pai do filho dela. Filho que nunca existiu, porque era mentira. Quanto ao noivado, não era algo certo e muito menos algo que eu queria. Contudo... - virei-me, encostando as costas à grade da ponte - a asneira estava feita e agora tinha de reconquistar a Verónica. Dia 24 de Novembro de 2013 era o "Dia D". O plano era jantarmos os quatro, eu, a Verónica, a Alice e o Diogo. Eu ia pedi-la em namoro no dia do seu aniversário, mas como não queria que ela suspeitasse de nada, pedi para eles virem connosco. Eu tinha finalmente decidido que ela realmente valia isso. Ela valia-me e eu ia fazê-la valer...

Fiz uma pausa. Depois de tanto tempo, ainda custava-me recordar-me daquela noite.

- Chovia muito. E elas vinham de Aveiro para o Porto de carro, com a Alice a conduzir. Um carro da outra faixa despistou-se e foi contra o delas, que ardeu, assim como o outro. A única sobrevivente foi a Alice, que com o confronto foi cuspida do carro. Porque os outros todos foram reduzidos a cinzas. A Alice entrou em coma e a Verónica... Bem, a Verónica estava morta - olhei para a ruiva. - Mas creio que tu já saibas disso.

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora