— Obrigado por me teres deixado ficar aqui.
Estava a fazer o pequeno-almoço quando ouvi a sua voz. Olhei-a de soslaio antes de pôr mais uma e a última panqueca no prato. Desliguei o fogão, peguei no prato e pu-lo em cima do balcão, sentando-me no banco de seguida. Os seus lábios cor de cereja desenharam um sorriso gentil ao ver-me servi-la.
— No entanto... — continuou — não me lembro de adormecer na tua cama. — Levou um pedaço da comida à boca.
— Não me vais dizer que és sonâmbula, pois não? — Espalhei o mel pelo prato.
— Estou a falar a sério, Duarte. Eu ficava bem a dormir no sofá.
— Tens um longo dia de trabalho pela frente, Lúcia. Dos meus funcionários, mais precisamente das minhas dançarinas, não quero nada menos do que tudo. Dormir no sofá iria prejudicar o teu desempenho e a tua performance. Acredita em mim. — Dei um gole no meu café.
— Como sabes? Já alguma dançarina do teu bar dormiu aqui? Num dos teus sofás?
Ergui a cabeça para a encarar. O seu olhar fixo no meu denunciava as suas intenções. Era o cinismo em pessoa. Sabia muito bem que aquele tema não ia tardar a ser discutido.
— Não vou pronunciar-me acerca desse assunto — voltei a deliciar-me com as panquecas.
— Porquê? Já lhes perdeste a conta?! — Ironizou.
— Não — encolhi os ombros. — Por acaso, é um número bastante fácil de memorizar, porém inútil.
— Então... — inclinou o corpo para a frente, sustentando o seu peso com os braços em cima do balcão — se é inútil, não importa se mo disseres. Ou tens medo de me responder?
— Não, mas pelos visto estás com medo da resposta. — Cheguei-me também à frente para ficar próximo a ela. — A Mafalda foi estúpida ao dizer que não eras nada de especial e tu foste burra por acreditares nela. Já te avisei, mas uma vez que fazes questão de o esquecer, aviso-te outra vez: a autoconfiança é o traço mais bonito que uma mulher pode ter. E se tu achas que és só mais uma que cá dormiu, tens bom remédio: não voltes a fazê-lo e segue a tua vida.
Terminei de comer. Levantei-me, peguei no meu prato e nos meus talheres e pu-los dentro da pia. Acabei de beber o meu café e ela levantou-se para pôr a sua loiça ao pé da minha.
— Não percebi... — murmurou, como se tivesse vergonha de o admitir. Suspirei.
— Tu achas que eu realmente dormi com todas as mulheres do Clube, certo? — Encarei-a. — Se acreditas profundamente nisso, porque é que continuas aqui? De certeza que haverão outros homens por aí à medida de satisfazer essa tua necessidade de "príncipe encantado". — Aproximei-me dela, atraindo o seu olhar com o meu. — Se pensas que te estou a usar nalgum momento, se pensas que eu só tenho um único e sujo objetivo na minha mente, como tive, supostamente, com todas as outras, sê uma mulherzinha, como eu sei que és, e segue a tua vida. Essa imagem que tens de mim não te vale. Não te serve. Não te merece.
A Lúcia parecia hipnotizada pelo que estava a dizer como se nunca tivesse ouvido algo sequer parecido. Magicava algo acerca de ontem à noite de certeza, a julgar pela maneira como baixou a cabeça em forma de culpa.
— A não ser que eu é que esteja a ser usado aqui...
Instantaneamente, voltou a erguer o olhar.
— O que foi, Lúcia? — Ironizei, com um sorriso cínico que lhe passou despercebido. — Serviu-te a carapuça?
— Não acredito no que a Mafalda disse... — murmurou, desviando de novo o olhar. — Acredito sim que tenhas tido... — hesitou para se corrigir — ...e que tenhas as tuas companheiras — encarou-me. — Porém não acredito que durmas com qualquer uma que te apareça. Já reparei que selecionas muito bem as tuas companhias, falando de sexo, de negócios ou de amizade.

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Desejo: Fazer-te ficar
Romance[CONCLUÍDO] Duarte Gama, um homem de negócios de 26 anos, sai do bar noturno que gerencia secretamente. Ao constatar que se esqueceu das chaves, recua caminho indo contra uma rapariga. Esta, atrapalhada, pede desculpa e segue a sua vida. Porém, ao...