XVII

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— Obrigado por me teres deixado ficar aqui.

Estava a fazer o pequeno-almoço quando ouvi a sua voz. Olhei-a de soslaio antes de pôr mais uma e a última panqueca no prato. Desliguei o fogão, peguei no prato e pu-lo em cima do balcão, sentando-me no banco de seguida. Os seus lábios cor de cereja desenharam um sorriso gentil ao ver-me servi-la.

— No entanto... — continuou — não me lembro de adormecer na tua cama. — Levou um pedaço da comida à boca.

— Não me vais dizer que és sonâmbula, pois não? — Espalhei o mel pelo prato.

— Estou a falar a sério, Duarte. Eu ficava bem a dormir no sofá.

— Tens um longo dia de trabalho pela frente, Lúcia. Dos meus funcionários, mais precisamente das minhas dançarinas, não quero nada menos do que tudo. Dormir no sofá iria prejudicar o teu desempenho e a tua performance. Acredita em mim. — Dei um gole no meu café.

— Como sabes? Já alguma dançarina do teu bar dormiu aqui? Num dos teus sofás?

Ergui a cabeça para a encarar. O seu olhar fixo no meu denunciava as suas intenções. Era o cinismo em pessoa. Sabia muito bem que aquele tema não ia tardar a ser discutido.

— Não vou pronunciar-me acerca desse assunto — voltei a deliciar-me com as panquecas.

— Porquê? Já lhes perdeste a conta?! — Ironizou.

— Não — encolhi os ombros. — Por acaso, é um número bastante fácil de memorizar, porém inútil.

— Então... — inclinou o corpo para a frente, sustentando o seu peso com os braços em cima do balcão — se é inútil, não importa se mo disseres. Ou tens medo de me responder?

— Não, mas pelos visto estás com medo da resposta. — Cheguei-me também à frente para ficar próximo a ela. — A Mafalda foi estúpida ao dizer que não eras nada de especial e tu foste burra por acreditares nela. Já te avisei, mas uma vez que fazes questão de o esquecer, aviso-te outra vez: a autoconfiança é o traço mais bonito que uma mulher pode ter. E se tu achas que és só mais uma que cá dormiu, tens bom remédio: não voltes a fazê-lo e segue a tua vida.

Terminei de comer. Levantei-me, peguei no meu prato e nos meus talheres e pu-los dentro da pia. Acabei de beber o meu café e ela levantou-se para pôr a sua loiça ao pé da minha.

— Não percebi... — murmurou, como se tivesse vergonha de o admitir. Suspirei.

— Tu achas que eu realmente dormi com todas as mulheres do Clube, certo? — Encarei-a. — Se acreditas profundamente nisso, porque é que continuas aqui? De certeza que haverão outros homens por aí à medida de satisfazer essa tua necessidade de "príncipe encantado". — Aproximei-me dela, atraindo o seu olhar com o meu. — Se pensas que te estou a usar nalgum momento, se pensas que eu só tenho um único e sujo objetivo na minha mente, como tive, supostamente, com todas as outras, sê uma mulherzinha, como eu sei que és, e segue a tua vida. Essa imagem que tens de mim não te vale. Não te serve. Não te merece.

A Lúcia parecia hipnotizada pelo que estava a dizer como se nunca tivesse ouvido algo sequer parecido. Magicava algo acerca de ontem à noite de certeza, a julgar pela maneira como baixou a cabeça em forma de culpa.

— A não ser que eu é que esteja a ser usado aqui...

Instantaneamente, voltou a erguer o olhar.

— O que foi, Lúcia? — Ironizei, com um sorriso cínico que lhe passou despercebido. — Serviu-te a carapuça?

— Não acredito no que a Mafalda disse... — murmurou, desviando de novo o olhar. — Acredito sim que tenhas tido... — hesitou para se corrigir — ...e que tenhas as tuas companheiras — encarou-me. — Porém não acredito que durmas com qualquer uma que te apareça. Já reparei que selecionas muito bem as tuas companhias, falando de sexo, de negócios ou de amizade.

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora