XXI

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— Duarte! Há já algum tempo que não te punha a vista em cima.

Rogério Pereira era um homem que me dava nojo e um pressentimento de perigo. Não transbordava a sensação de conforto ou de segurança, e quem confiava nele entrava num espiral de confusões e favores interminável. Tinha bastante poder na polícia judiciária. Já solucionou vários casos importantes e, portanto, o respeito que muitos portugueses tinham por ele só crescia à medida que livrava o país de umas quantas pessoas e situações desagradáveis. Assassinatos, homicídios, corrupção, grandes assaltos, redes de tráfico - ele estava sempre lá metido e ficava visto como um tipo de anjo da guarda (que não é e nunca será).

Foi ele que ficou encarregue do caso "Belmonte". Quase estragou a vida da Alice sem um bom fundamento, contudo, não conseguiu. A Alice foi inocentada pelo juiz, uma vez que não haviam provas conclusivas para a condenar. A loira não passava de uma testemunha da tragédia daquela noite, porém, alguém tinha de ficar com as culpas. Como o caso ficou de certo modo em aberto, por não haver ninguém para sentenciar ou culpar, rapidamente os julgamentos da família da Leonor viraram-se contra a minha família, mais precisamente contra mim.

Mais uma vez, a bola de neve de antigas brigas entre famílias ganhara tamanho.

O inspetor e o meu pai faziam uma bela dupla. Não por contribuírem com algo bom para o mundo, mas por se aproveitarem dos mais fracos para próprio proveito. Enfim, complementavam-se.

Algumas coisas não mudam com o tempo, está visto.

— Pode dizer-se que sim — devolvi o cinismo.

— Quem era a vossa amiga? — Olhou na direção que a Lúcia seguiu. — Muito parecida com... — dirigiu-se à Leonor — a tua irmã? Sim, sim. Muito bonita, tal e qual. Mesmo linda. E elegante, formosa. É uma pena, aparentemente assustou-se com a minha cara de velho! — Direcionou-me o olhar. — Mas também... — encolheu os ombros — já temos os nossos amores, não é assim, Duarte?

O veneno escorria-lhe pela boca. Era um sacana de primeira.

— O Rogério tem mais do que um. E tem bom gosto, pelo que consigo ver. Vai-me culpar por partilhar da mesma perdição?

— Não. — Chegou-se para perto. — Mas há pessoas por quem vale a pena perder a cabeça, como, por exemplo, a minha filha.

É impossível pensar no Rogério sem pensar na filha mais nova dele. A Diana mudou muito desde o divórcio dos pais. Os outros três irmãos, como eram mais velhos, não foram apanhados pela decisão do juiz. De alguma maneira, a mais nova foi parar nos braços do pai. A mãe e os filhos mais velhos do Rogério desapareceram do mapa por razões que não vieram a público. Mais tarde, o Marcos tentou lutar pela guarda da Diana, mas não conseguiu, porque a própria não queria ficar com o irmão. Fazia questão de ficar com o pai e jurava que se matava se voltasse a conviver com a mãe. Família amorosa, não é?

Daí a sua personalidade ter tantas semelhanças com a do Rogério. Por vezes, até custa-me culpá-la pela pessoa em que se tornou. Ela não era assim, foi apenas transformada com o tempo. Algo de muito mau se passou com aquela família, a julgar pela insistência dos irmãos em puxar a Diana para o lado da mãe e pela resistência da Diana em ficar do lado do pai. Passei bastante tempo com aquela família em pequeno. Os irmãos, incluindo a Diana, e a mãe eram pessoas impecáveis. O único traste da família era o Rogério.

— Pois, lá nisso tem razão! — E tinha. Aquela mulher dava-me cabo do juízo. No mau sentido da expressão. — Não querendo contrariar a sua declaração, senhor Rogério, como sabe que aquela que lhe fugiu também não vale a pena? Conhece-a?

— Oh meu amigo, já viu a sorte que tem com mulheres? — Procurou uma confirmação da minha parte, mas não a encontrou. — Lembra-se como a primeira acabou? Não convinha a ninguém que acontecesse o mesmo com a... como se chama?

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora