XXXI

34 7 32
                                    

— Andas tão pensativo... — posicionou-se em cima do meu corpo. — O que se passa?

Abri um sorriso apagado e acariciei a sua face. Adorava vê-la sem maquilhagem. Adorava tê-la deitada em cima de mim, sentir a sua pele na minha. Contudo, algo ainda era estranho naquela nova naturalidade. Algo não parecia o mesmo. Algo parecia faltar ali.

A Verónica estava ali. E era tudo aquilo que eu queria, era tudo aquilo que eu quis durante muito tempo. Contudo, ela parecia ainda estar longe. Muito longe. Demasiado longe. Tal como estar na ponta de um abismo a agarrar numa caixa de tesouro, seguro por uma corda. Ela estava de facto segura, mas por quanto tempo? E se eu, ao tentar puxá-la, quebrasse a corda que também a segurava e nos mantinha unidos? Estávamos tão perto e mesmo assim distantes.

Talvez, o que estava prestes a acontecer naquela noite me ajudasse a preencher esse vazio.

— Duarte? — Ouvi aquela voz doce chamar-me. — Está tudo bem?

Ergui a cabeça ligeiramente para lhe dar um beijo na testa.

— E se... fossemos comer um gelado?

— Está bem! — Sorriu.

Levantámo-nos com algum custo e vestimo-nos. Fui preparar a Boneca para ir connosco. Entretanto, a Vera apareceu pronta para irmos.

— Espera lá... — manifestou-se, olhando para o relógio da cozinha. — Não está um pouco tarde para comer gelado? — Perguntou com um sorriso divertido na cara.

— Nunca é tarde para gozar bem a vida — estendi-lhe uma mão. — Vens?

Ela deu-me a mão acompanhada por um sorriso gentil.

Algo arrebitou em mim. Um sentimento antigo parecia ter emergido. Uma paz enorme invadiu o meu corpo quando senti a mão dela na minha. Lembrei-me de quando éramos miúdos e costumávamos dar as mãos sempre que íamos a algum lado juntos. Lembrei-me da maneira inconsciente e louca como procurávamos o toque um do outro.

De certeza que tinha ficado perdido em pensamentos, pois só quando ela abriu a boca é que me dei conta de que ainda estávamos na mesma posição de mãos dadas, comigo a olhar para ela.

— Passa-se alguma coisa? — Perguntou envergonhada sem me largar a mão.

O rostinho dela corado era algo que me enchia o coração com uma estranha ternura. Aquele olhar gentil e meigo a chamava por mim.

— Quero lá saber...

Puxei-a, apanhando-a de surpresa, e beijei-a. A minha mão esquerda foi parar na sua face e a direita no seu cabelo. As suas mãos restringiram-se à zona do meu peito. A ruiva, apesar de ter sido apanhada desprevenida, retribuiu logo o beijo.

— Eu realmente quero o gelado... — confessou com uma voz baixa e tímida.

— Então é melhor irmos.

Saímos do apartamento e fomos no meu carro até à gelataria. Sentámo-nos na esplanada para pudermos estar com a Boneca. Tirei-lhe a trela para que ela ficasse mais livre.

— O que vão querer? — A empregada perguntou.

— Eu quero um gelado de caramelo e chocolate e ela um gelado de menta, baunilha e morango.

A empregada afastou-se depois de apontar os nossos pedidos. A Verónica olhava-me intrigada e com um sorriso suspeito. Retribuí com o meu típico sorriso orgulhoso.

— Desde quando é que sabes o meu pedido de cor?

— Quando te disse que te estudei, não estava a brincar.

Desejo: Fazer-te ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora