Capítulo 14

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Andamos apressados entre as árvores, meu pai parecia sentir a mesma urgência de sair dali que eu sentia. Com sua ajuda, montei Amora e, em aflita disparada, rumamos para a casa principal.

As luzes da cozinha estavam acesas e, mesmo de longe, era possível ouvir vozes e risos. Quando entramos, tudo caiu no mais profundo silêncio, com os criados curvando-se em respeito. O cavalariço que nos aguardava saiu imediatamente para cuidar de nossos animais. A cozinha recendia à vela, nenhuma lembrança de cheiros de comida, e me deu tristeza encontrá-la assim. Na infância era meu recanto predileto, esse aroma austero me dava uma sensação vazia e meio morta.

Caminhei para a escada principal, ansiosa para me deitar, mas meu pai me chamou em seu escritório.

— Tire sua blusa.

Hesitei no primeiro instante, mas ele me olhava sério, autoritário, então obedeci. A marca da Pedra estava em meu braço direito, um alto-relevo de cor escura e cheiro de carne queimada. Toda a pele envolta ardia, mas a sensação de dor não era tão intensa quanto inicialmente. Meu pai olhou com calma a ferida, o desenho exatamente igual à marca que ele mesmo carregava em seu braço esquerdo. Retirou de uma gaveta uma faixa de pano, de cor próxima à pele, e um pote de unguento. Passou a pasta esverdeada levemente em minha ferida e depois a cobriu com a faixa, prendeu na parte posterior com um delicado broche, e cortou o pano excedente.

A marca de meu pai era, no entanto, diferente da minha. Parecia ter sido desenhada com um traço muito fino, em tinta negra.

— Por que nossas marcas não são iguais, meu pai?

— A Pedra é quem escolhe o método. A minha foi tatuada por um guerreiro. Para receber a marca, você precisa vencer um desafio. Eu falhei em minhas duas primeiras tentativas e, honestamente, não esperava que você conseguisse logo de primeira. A maneira como a marca é gravada tem ligação com a tarefa que você executa no desafio.

— Eu resgatei um...

— Não diga nada. – Ele me interrompeu intempestivo. Isso nunca deve ser dito a ninguém, nem mesmo a mim.

— Por quê?

— Segredos entre a Pedra e você. Com o tempo entenderá.

— Minha marca nem sequer é no mesmo braço que o seu... pensei que isso fosse sempre uniforme.

Rei Aran me olhou com uma expressão levemente preocupada, ou ao menos assim me pareceu. Depois, se virou para guardar as sobras do curativo:

— É realmente curioso que não seja no mesmo braço. Mas creio que isso signifique que somos complementares um ao outro. Se estivermos lado a lado, estaremos protegidos por ambos os lados. Isso pode ser útil.

— A marca nos fornece proteção também?

— Proteção e poder. As duas coisas andam juntas.

Coloquei minha camisa e fiz uma mesura para sair, mas meu pai me interrompeu novamente, uma expressão no olhar como se pensasse no que iria dizer.

— Há mais uma coisa importante, Aléssia.

— Diga, meu Rei.

Ficou alguns minutos me olhando como se analisasse a situação. Mirou meu corpo dos pés à cabeça e depois continuou.

— Essa faixa que lhe dei deverá ser usada sempre que possível, para proteger a marca dos olhares curiosos. Apenas sua aia deve vê-la e é importante que a instrua para que jamais conte a ninguém.

Fez uma pausa. Estava agora de costas para mim, olhando a noite através das vidraças. julguei que isso colocava fim ao assunto e, estava saindo, quando o Rei continuou:

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora