Capítulo 18

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O exército montava sua formação no longo descampado entre o bosque e a casa principal. Quando menina eu gostava de acordar para assistir o espetáculo de homens, cavalos e equipamentos entrando no Círculo Interno e tomando lugares numa coluna ordenada. Esse hábito de observação me seria valioso agora.

Ocultei Amora entre algumas árvores do bosque e aguardei. O tempo pareceu demasiado longo naquela noite escura e com poucas estrelas. O cheiro de terra úmida anunciava uma chuva próxima que, se acontecesse de fato, tornaria nossa viagem mais difícil que o normal. Apenas a ansiedade controlava meu cansaço e me impedia de pegar no sono. Mas quando a espera já parecia insuportável, o som de cascos surgiu vindo da região noroeste: a tropa entrando no Círculo Interno.

Aguardei até que a confusão estivesse formada. Soldados indo e vindo, gritando uns com os outros, arrastando coisas, tratando dos cavalos. Puxei Amora pela rédea e me infiltrei na última fileira da formação, local onde cavalgavam os soldados sem graduação militar e, como vantagem adicional, confortavelmente distante de meu pai.

A pouca importância que meu pai dava às pessoas comuns e aos serviçais foi meu grande trunfo naquele dia. Tivesse Rei Aran o hábito de perceber os indivíduos, olhar em seus olhos, observar suas maneiras peculiares, então havia uma possibilidade de me reconhecer na fileira de guardas. Mas quando ele chegou, dando ordens e apressando os oficiais, olhou para o batalhão em que eu estava e, provavelmente, viu apenas uma massa indistinta de homens. Eu, no entanto, não pude evitar de observá-lo, sob outro ângulo desta vez. Oculta em meu disfarce, vi o Rei passar à minha frente como um homem autoritário e raivoso, a quem era mais fácil temer do que amar. Nenhuma expressão de benevolência em sua feição, apenas um olhar severo e raivoso para todas as pessoas. Nunca o tinha visto assim, nunca tinha recebido aquele olhar completamente frio, cujas únicas emoções visíveis eram o ódio e a arrogância.

Meu espanto não passou despercebido para todos, no entanto. Um soldado ruivo, com o nariz desenhado por sardas, cutucou-me nos ombros.

— Não fique olhando com essa cara de parvo, o Rei manda punir quem está parado! Ajude-me com essas cordas.

Obedeci prontamente, agradecendo ao acaso pela oportunidade.

— Mas o que você tá fazendo, seu tonto!

Com um sorriso divertido, e ao mesmo tempo espantado, meu interlocutor apontava para Amora, que eu trazia pelas rédeas.

— Deixe seu cavalo lá atrás, seu maluco!

E antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, o rapaz pegou minha égua e começou a puxá-la pelas fileiras. Fui atrás, aos saltos entre o tanto de coisas amontoadas no chão, carregando as cordas que estavam sobre nosso cuidado. O rapaz prendeu Amora junto de um corcel marrom-claro e voltou rindo. Tinha o olhar vivo e simpático e me ofereceu um gole de água do cantil que retirou das costas.

— Meu nome é Heitor, e o seu?

— Iago.

— Muito prazer, Iago. É novo no exército, não é? Mas não se preocupe, logo você pega o jeito. De onde você veio?

Fazer amizades não estava nos meus planos, mas não responder levantaria suspeitas. Eu havia criado uma pequena biografia para Iago, um rapaz que nasceu em Luzerna, povoado a sudoeste do Castelo e que, segundo meus estudos, possuía a maior concentração populacional depois do Castelo de Três Círculos. Muitos deviam ser oriundos de lá.

— Luzerna.

— Sério? Heitor parou feliz, olhando-me quase como se fossemos parentes. – Pelos céus, um conterrâneo! Quando chegou de lá? Há quase três anos não vejo minha casa.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora