Capítulo 36

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Os dias seguintes foram mais calmos e abrangentes. Meu período de recolhimento diminuiu e minha nova rotina se iniciava com o nascer do sol. Nessa nova fase, o desjejum era na cozinha junto de todas as mulheres da casa. Todas vestíamos uma túnica branca com avental, mesmo a senhora que normalmente trajava negro. Após a primeira refeição do dia, nos revezávamos na arrumação e limpeza da pequena casa e inicio dos preparativos do almoço, tarefa que eu nunca conseguia completar pois, todos os dias, por volta das dez da manhã, Alexandra surgia pela porta dos fundos e me levava para o terreiro das iniciações.

Havia ainda o vestígio da fogueira da última festa e passar por ela me fazia sorrir. Lembrava minha mãe dançando alegre em seu vestido branco. Parecia tão jovem e tão feliz, que a mera lembrança me enchia de vontade de viver. Saíamos da Casa das Almas e andávamos em uma linha reta para chegarmos a um pequeno portão de madeira, que dava acesso à horta e ao pomar.

Sempre dois passos atrás, eu aguardava que minha instrutora abrisse o portão e me fizesse sinal para passar. A pequena cerca que separava o terreiro da horta ficava espremida entre ramos de uma fila de macieiras, que preparavam o ambiente assombreado em que passaríamos a tarde conversando. Eram os dias finais de minha preparação, o momento de receber instruções particulares que fugiam das tarefas femininas rotineiras. A cada mulher era atribuído um dom particular, normalmente transmitido de mãe para filha. Eu compartilhava com minha mãe os mesmos dons de Alex, e por isso minha instrução especial ficara a cargo dela. Passávamos aquelas horas da manhã em lições de herbalismo: para que servia cada planta, qual parte era utilizada, como devia ser preparada, como era colhida, como era cultivada. Tudo muito complicado para ser aprendido assim, num só repente, como Alexandra me transmitia. Eu me concentrava e dava meu melhor, abria minha mente para que o conhecimento penetrasse, rezava pelo milagre de reter todas aquelas informações que, segundo Alexandra, serviriam não só para mim, mas para todos os que estivessem por perto.

— Trabalhar com cura é sério demais. Tem certeza de que isso é para mim?

— Tempos atrás, talvez eu não conseguisse lhe responder com sinceridade, Aléssia. Mas agora que a conheço melhor, posso garantir que poucas pessoas são tão merecedoras desse dom quanto você. Cura vai muito além de vencer uma doença ou aliviar uma dor. É um processo de desenvolvimento integral e, o simples fato de você me fazer essa pergunta, mostra quão apta você está. Duvide sempre de alguém que se sinta confortável com seu papel de curandeiro. Esse dom não é uma bênção, está bem mais para um fardo. Um préstimo que fazemos à comunidade e a todos os seres vivos. É um ato de doação que poucos – sejam curandeiros ou curados – são capazes de compreender. E você já percebeu a grandeza envolvida em tudo isso. Com o tempo e a experiência, você será uma grande bênção para seu povo, Alê.

— Fico um pouco mais tranquila sabendo que confia em minha capacidade, mas não vou mentir e dizer que isso aumenta minha confiança em mim mesma, porque não é verdade.
Alex me olhou sorrindo e eu seria capaz de dizer que havia um tanto de admiração, quiçá adoração, naquele seu sorriso.

— Você está aprendendo as coisas de forma fragmentada, isso dá a ilusão de que é complicado, difícil. Na verdade não é, mas você só entenderá em breve, quando tiver aprendido a dominar seus instintos de tal maneira que não necessitará lembrar qual erva cura o que – no momento da necessidade, você simplesmente saberá o que precisa usar. Saberá, de forma absolutamente intuitiva, sem necessitar pensar em nada. Mas até chegarmos lá é preciso que seja formalmente apresentada a cada planta, cada erva, cada procedimento correto de preparo e tudo o mais que estamos vendo nesses dias. Confie em mim e em sua alma, Aléssia, e eu lhe prometo que até o fim de sua iniciação todo o mistério estará esclarecido.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora