Capítulo 26

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Sob a mesma luz dourada poente, regressei à Floresta Escura, agora entrando pelo lado oposto, observando a incidência da luz por outro ângulo. A diferença é que agora a Floresta não mais me assustava. Arrisquei passar a trote com Amora pela trilha serpentina e, para minha felicidade, conseguimos nos aproximar do Lago Espelhado antes que a escuridão total chegasse.

Escuridão total, aliás, parecia um termo que não se aplicava àquele caminho, pois por todo o tempo a luz se manteve constante e idêntica à que aproveitamos na de ida para Forte Velho.

Acendi uma fogueira pequena, assei as postas de peixe restantes, dando-me ao luxo de comer com um pouco mais de fartura. Cuidei de Amora, para que estivesse confortável e descansasse. Depois adicionei lenha à fogueira para que fosse vibrante, de maneira a manter qualquer fera afastada. Então recostei em uma arvore, numa posição em que descansasse as costas e as pernas, mas sem encontrar tanto conforto que acabasse resvalando para o sono.

A tarde foi caindo tão devagar que eu tinha a sensação de conseguir acompanhar a mudança individual em cada raio de luz. O cansaço chegou a seu ponto extremo quando a escuridão tinha apenas começado. Aquela seria a mais longa noite de minha vida, e eu estava ciente disso. Sem nada para fazer além de vigiar os barulhos da Floresta, sem nenhuma companhia ou distração, estava totalmente entregue a mim mesma.

A noite tem ruídos que, se a alma não está quieta, a gente mal percebe. Meus fantasmas desfilaram à minha frente por um tempo que pareceu eterno, mas como aquela noite era mesmo longa, até eles cansaram, sentaram no mato, recolheram-se ao anonimato. E só então, sem lembranças nem pesadelos, descobri o que é estar sozinha. E plena.

Quando tudo sumiu apenas minha respiração permaneceu. A agradável sensação de ir e vir, receber e liberar. As muitas nuances de aroma que eu nunca tinha percebido. Porque para perceber é preciso estar presente. Não, não presente no lugar: presente na pele e nos alvéolos dos pulmões. E era exatamente ali que eu estava. Tão dentro de mim que não sabia se o escuro era meu ou da mata. Mas tanto faz, era um escuro confortável, acolhedor, apaziguador. Um escuro de velas apagadas para poder descansar, se refazer.

O som do ar passando pelas narinas trouxe música à Floresta e, onde havia apenas silêncio, nasceu o som do tambor, a batida rítmica de meu coração. De olhos fechados dancei em mim mesma em torno de uma fogueira nascida de meu fogo interno. E era tão harmônico meu movimento, tão perfeita minha entrega, que cada músculo reencontrou seu lugar e sua aptidão, e pela primeira vez desde que caí no inferno, meu corpo encontrou descanso.

Aos poucos, no entanto, serenou a dança, depois a música e, enfim, a respiração. E onde havia respiração e batida cardíaca não havia mais nada do que atenção, vigília, concentração. Meus ouvidos focaram o que era fora e, sem cansaço ou tédio, vigiei.

O brilho e o calor do fogo, seu resplandecente crepitar, quebravam a monotonia do negro, mantinham a alma acesa e o corpo seguro. Eternamente.

Então, como uma mudança sabida, mas não esperada, gotas de luz caíram aqui e ali e, com a lentidão da eternidade, aos poucos tudo estava banhado de luz. Levantei pela primeira vez em horas, espreguicei lentamente meu corpo, amarrei Amora para que estivesse segura e fui ao lago.

A manhã lá fora estava ensolarada, aqui a luz descia em cascatas brancas e verdes entre árvores muito altas e chegava ao lago fresca, renovada. Estiquei braços e pernas expulsando demônios e cansaço, e então comecei o ritual com o qual secretamente sonhava há dias. Desafivelei meu cinto, retirei a brunia, depois tirei a cota de malha e, por fim, a camisa longa que protegia minha pele. Desamarrei a faixa que protegia e ocultava meus seios, alonguei meus braços como se fosse abraçar o lago, ergui meu rosto ao sol, abençoei o vento, regozijei-me com meu corpo nu e livre. Respirei com narinas, pulmões e pele a brisa fresca e aromática, depois caminhei lentamente e deixei a água lamber meus pés. A sensação de paz e relaxamento tomou conta do corpo e, passo a passo, fui permitindo ao lago banhar meu corpo.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora