Capítulo 8

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Como de hábito, meu pai estava em seu gabinete, ladeado por Don Otto e Sir Alencar, seus principais conselheiros. Entrei sem pedir licença e nem esbocei nenhuma mesura cortês, como mandava a etiqueta. Apenas parei poucos passos depois da porta, a postura tensa, o olhar furioso. Meu pai largou seus livros de contabilidade e me olhou com certo assombro.

— Esqueceu os bons modos, Aléssia?

Rei Aran sempre fora exigente com minha educação. Embora carinhoso, não admitia faltas e sabia castigar com precisão. Ainda assim eu não o temia.

— Preciso lhe falar, meu pai.

— Isso não é motivo para entrar em meu gabinete sem autorização e, muito menos, para faltar com cortesia a nossos conselheiros.

— Talvez seja. Não conheço ainda todos os envolvidos no caso, embora saiba, com certeza, que o senhor endossa esse absurdo. Francamente, não sei de que cabeça partiu tal ideia, e sendo esses seus conselheiros, posso pressupor que tenham urdido coisas nefastas em vossa cabeça, meu Rei.

Meu pai se levantou e caminhou lentamente em minha direção, com um olhar grave e severo.

— Do que você está falando, Aléssia? Que acusações graves são essas?

— Por que não posso deixar o castelo? A Tradição já foi seguida, passei os anos de formação resguardada nesses muros, mas agora exijo liberdade de ir e vir! Ou, por um acaso, sou prisioneira em minha própria casa?

Sua expressão tornou-se mais calma e, com um sorriso carinhoso, tentou me convencer do contrário.

— Mas que absurdo é esse, minha filha? Você não é prisioneira em lugar algum, pode ir para onde quiser!

— Acabo de tentar sair e minha passagem foi impedida. E pela forma como os soldados agiram, a ordem só pode ter partido de uma pessoa.

Por alguns instantes o silêncio pesou entre nós. Rei Aran olhou-me com expressão grave e, depois, encarou seus conselheiros. Don Otto fez menção de dizer algo, mas calou-se a um gesto de meu pai.

— Você não está proibida de sair do castelo, minha filha, apenas não quero que saia sozinha e sem escolta. Por isso dei ordens de que não lhe deixassem passar. Dessa forma, caso desejasse sair, você teria que me pedir autorização, como faz agora.

— Preciso de autorização para sair dos muros do castelo e você diz que não sou prisioneira? Ora, meu pai, até os gatos do mato têm mais liberdade do que eu!

— Gatos do mato são seres desprovidos de importância no mundo. Já você, Aléssia, é a futura Rainha de Âmina. Fora desses muros, existem muitas pessoas interessadas em usurpar o poder. Não quero perder você como perdi sua mãe.

Minha mãe. Uma coisa que eu sabia desde a infância, é que meu pai não gostava de falar sobre ela. Mencioná-la em nossa conversa, revestia toda a situação com um caráter de grave seriedade. A morte de minha mãe, esse mistério que por vezes enchia minhas noites com pesadelos, tocou-me com um medo profundo. Novamente a ideia de deixar aqueles muros me assombrou e, por um segundo, pensei em me curvar e sair, dando a discussão por encerrada. Mas até quando eu poderia fugir da realidade? E como poderia governar meu reino sem conhecê-lo? Foi essa última pergunta que fiz a meu pai, muito embora meus lábios esboçassem outras palavras.

O Rei não me respondeu de imediato. Olhou, sequioso, para seus conselheiros, como se precisasse de ajuda para lidar com a própria filha. A cena não era nada usual e me causou angústia. Então, Don Otto pigarreou e pediu permissão para falar.

— A jovem Aléssia possui vossa inteligência superior, meu Rei, e está correta em seu raciocínio. Para governar, precisará de experiência e não apenas conhecimento teórico. O ponto vulnerável de Âmina é, exatamente, não haver um sucessor à vossa altura, Majestade. A Princesa já ocupa uma cadeira no Conselho há quase três anos e Sir Renan não cansa de elogiá-la. Creio que seja chegado o momento de Vossa Majestade treinar pessoalmente sua filha, assumi-la como seu braço direito no governo. Com vocês lado a lado Âmina será indestrutível. E Aléssia estará preparada para assumir o reinado com sapiência, quando chegar o momento. E dessa forma, meu Senhor, vossas conquistas serão perpetuadas através de gerações e não serás jamais esquecido por seu povo.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora