Capítulo 54

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Chegamos pouco depois do horário de almoço. Ordenei que cercassem a casa e não permitissem qualquer aproximação enquanto eu estivesse lá. Quando a segurança estava estabelecida, bati na porta.

Não há dúvidas que Matilde não esperava minha visita. Certamente sabia de meu retorno e, como os demais, acreditava que eu havia me aliado a meu pai. Apesar do aprimorado autocontrole, seu rosto mostrou surpresa e medo. E não facilitei as coisas para ela.

Olhei-a com desdém e dei um passo em direção a porta mas, para meu espanto, a meretriz barrou minha passagem. Com escárnio, sacudi uma sacola de dinheiro a sua frente. Isso não mudou sua atitude.

— Meu pai agora lhe paga para ter exclusividade sobre seus serviços?

Falei entre dentes, baixo, para que apenas ela ouvisse, mas Matilde entendeu a ameaça e, a contragosto, me deixou passar.

Receber-me em uma cama devia ser o sonho de qualquer espião. Mas quem sabe o que se passa na cabeça das mulheres? Talvez Matilde pensasse que eu queria vingança. Minha intenção era muito diversa, contudo.

Eu me preparara para aquele encontro durante semanas. Mesmo assim, senti meu coração acelerar ao ouvir seus passos dentro da casa, e precisei de força para evitar as lágrimas quando o rosto de Matilde apareceu na porta. Agora eu deslizava pelo batente, do mesmo modo que fizera tantas vezes em anos anteriores. A casa tinha o mesmo cheiro floral e as paredes ocres fizeram meu coração saltar doloridamente. O vento passou forte pela janela do quarto e a cortina se agitou. A mesma cortina que Matilde fechava sempre que eu entrava em sua casa.

Quão diversos eram aqueles dias desse momento que vivíamos agora! A cortesã manteve-se de costas sem adivinhar o quanto eu controlava meus sentimentos. Assim que fechei a porta, deixou que o vestido deslizasse até o chão. Senti a boca seca ao ver suas costas nuas.

Alexandra. A antiga amizade entre as duas. O passado de Matilde. O ressentimento de Alex ao saber de meu envolvimento com sua amiga. De tudo isso eu me lembrei.

— É com esse descaso que você recebe a nobreza do reino?

Não sei como consegui aquele tom de voz tão frio. Matilde olhou-me de soslaio, impaciente, e com a cabeça indiquei a janela do quarto. Minha primeira amante fez uma mesura de desculpas e correu para reparar a falta, vedando a janela. Parei na porta do quarto e senti falta de ar ao ver a cama onde aprendera a arte do amor. Mas havia questões mais importantes a tratar, por isso recuei até a sala e fiz um sinal para que ela me seguisse.

— Teria muitas coisas a lhe dizer, Matilde, se as circunstâncias me permitissem. Tenho que lhe pedir desculpas pela maneira como a tratei, da última vez em que nos vimos — falei baixo, sendo sincera, finalmente.

— Se foi isso o que a trouxe aqui, Princesa, saiba que não há com o que se incomodar. Pode se retirar. Ou usufruir dos serviços pelos quais pagou.

Eu merecia aquele descaso. Além do que, a situação não estava nem um pouco a meu favor. Por que ela deveria confiar em mim? Tinha muitos relatos e provas que lhe diziam exatamente o contrário.

— Não, na verdade não foi isso. Preciso que mande um recado meu a Alexandra.

Seu rosto, acostumado à mentira, não demonstrou nenhum sinal de reconhecimento.

— Não conheço nenhuma Alexandra, Alteza.

— Diga a essa Alexandra, que você não conhece, que eu estou lúcida, embora minha atitude não demonstre isso. Sei que existem outros espiões no Castelo, e sei muito bem que tipo de informação estão dando aos rebeldes. Mas quero que entendam que não tenho alternativa. Fui forçada por meu pai a fazer o Pacto com a Pedra. Mas algo não saiu como o Rei esperava... e... bem, eu mantenho o controle sobre meus pensamentos.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora