Capítulo 20

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Diana observava-me enquanto organizava nosso pequeno acampamento. Acendi a fogueira e coloquei as ervas perto do fogo para que secassem. Depois, usando um galho como tocha improvisada, procurei entre as árvores alguma que pudesse nos oferecer frutos. Merecíamos mais do que aquele mato insosso de alimento.

Alheia às minhas preocupações, Amora se recuperava das horas de sacrifício refestelando-se com o pasto generoso que a floresta lhe proporcionava. Era a única de nós feliz e confortável.

Não precisei me afastar muito para encontrar medronhos e avelãs. Colhi o que foi possível com minhas mãos e voltei feliz para o acampamento, tendo o cuidado de deixar pequenas marcas em algumas árvores para reencontrar.

— Encontrei alguns frutos bastante saborosos — disse enquanto retirava uma das bolsas da sela de Amora. Fiz três viagens colhendo o que consegui, e essa foi a ração de nossa primeira noite. Faminta como estávamos, comemos sorridentes, dividindo em goles mínimos o pouco de água que nos restava.

Minha noite foi assombrada por ruídos estranhos — galhos que se quebravam, animais farejando, cascos de cavalos... Nenhum deles existia fora de minha cabeça, eu sabia, mas foi esse medo que me ajudou a suportar o cansaço e permanecer de vigia.

A meu lado Diana ressonava, usando o mesmo vestido leve com que fora raptada de sua aldeia. Deitada de bruços, suas ancas marcavam o tecido que descia cobrindo as coxas grossas. A cintura fina completava sua silhueta para desespero de meus desejos.

Quando tentava fugir da visão de seu corpo, entretanto, eu acabava refém de desesperos mais profundos. Meu quarto, o Castelo, meu pai. O exército, a viagem, os soldados tombando mortos com meus golpes certeiros...

Na manhã seguinte, colhi mais alguns frutos, depois dei minhas primeiras ordens à Diana.

— Espero que esteja mais descansada depois dessa noite. Tome conta do fogo para que não apague totalmente e mantenha olhos e ouvidos abertos. Preciso dormir um pouco.

— Alto lá, rapaz. Não sou sua criada.

— Não disse que era. Mas se quisermos sobreviver, teremos que ser uma equipe.

— É esse tipo de coisa que aprendem no exército?

— Sim, entre muitas outras.

— Aprendem a estuprar e matar também, ou isso vocês já nascem sabendo?

Olhei-a com severidade. O momento exato em que sangrei os dois soldados no acampamento voltou à lembrança. Agora eu era, de fato, uma assassina.

— Não sou um assassino — disse com a voz turva, e a afirmação era mais para mim mesma, uma maneira de dizer que não havia como evitar aquelas mortes — e muito menos um estuprador. Quando vai aprender que pode confiar em mim, Diana?

— Se essa terra algum dia conhecer tempos de paz, então pode ser que eu consiga confiar em você, Iago-Não-Sei-De-Que. Mas, por enquanto, desconfio até de minha alma.

Sua ironia me mostrou o ponto a que sua desconfiança se apegava. Eu precisava de um nome de família se pretendia sobreviver nesse mundo externo.

Naquele instante, entretanto, achei por bem fingir que não ouvi e, depois de comer mais algumas frutas, deitei para descansar.

Por qualquer coisa de contrariedade, minha companheira de aventura, tão calada o tempo inteiro, estava nessa manhã propensa a conversas. Perguntou há quanto tempo eu estava no exército, quanto tempo pretendia ficar ali e até mesmo se eu achava que iria chover naquela tarde. Cansada, respondi por monossílabos e, quando a conversa chegou ao clímax, dei uma bronca deixando claro que pretendia dormir.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora