Capítulo 2

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Os dias seguintes foram de aflitiva solidão. Amaryllis vivia sua vida, enquanto eu descobria a minha. Aprendi da forma mais difícil o valor do silêncio, da quietude e da prudência. Dediquei-me aos estudos com mais afinco do que em todos os anos anteriores. Desinteressei-me das brincadeiras e desafios com os cavalariços. Debrucei-me sobre os livros e tratados de política, economia, administração. Apenas os afazeres domésticos continuavam a me torturar. A ausência de Amaryllis gritava em cada aula. Ninguém me explicou seu sumiço, nem eu perguntei. Não havia necessidade.

O inverno chegou num bom momento. Com o rigor das intempéries, minha permanência no quarto não levantava suspeitas. A partir da primavera, entretanto, minha presença começou a ser cobrada por meu pai. Passei os meses floridos com um péssimo humor e cumprindo tarefas apenas por obrigação. Não sentia prazer algum nem mesmo nas refeições, que sempre foram momentos de alegria. Como se não bastasse, a retomada das aulas práticas trouxe a preocupação de evitar Douglas. Quanto a Amaryllis, essa desapareceu por conta própria.

Quando o inverno seguinte deu seus primeiros sinais de partida, uma angústia diferente começou a me inquietar. Da janela do meu quarto, eu via a estrada que saía de nossos portões. O mundo lá fora era terra e, vez ou outra, alguma árvore. Não havia muito o que ver e era, a bem da verdade, uma paisagem cotidiana, o quadro diariamente visível de minha janela. Mas o que haveria além do ponto que meu olhar alcançava? E que estranho era nunca ter tido essa curiosidade antes! Por algum motivo inexplicável, minha casa começou a parecer uma prisão. E percebi, com certo horror, que nem mesmo o castelo eu conhecia direito.

Havia todo um mundo entre o castelo e o mundo externo. O Círculo Intermediário. O lugar em que soldados e criados viviam. E onde eu nunca estivera.

O nome de nosso castelo, Três Círculos, deriva de sua arquitetura: três muralhas dispostas em círculos concêntricos protegendo a Casa Principal. Entre a muralha externa e a intermediária ficam os prédios do exército. A distância entre os dois muros é de quatro milhas. O muro intermediário e o interno estão separados por apenas duas milhas. Nessa segunda ala estão as casas dos soldados e serviçais do castelo, o Povoado. O círculo interno é o maior com doze milhas de diâmetro. Nele ficam a Casa Principal, as oficinas, cozinhas, estábulos, área para treino militar, o campo e o bosque em que eu me divertia na infância. Cada muralha possui quatro portões que coincidem com os pontos cardeais. Os portões do Norte ligam o castelo à estrada principal e, na minha juventude, eram abertos apenas para saída do exército ou chegada de alguma embaixada estrangeira. Os portões do Sul eram — e são até hoje — passagem para a área de fazendas que fornecem alimentos para a população local e são fechados apenas ao entardecer. Os portões externos do Oeste e do Leste permaneciam constantemente fechados e, no período em que vivi no castelo, nunca os vi abertos. Os portões Oeste e Leste de ligação entre a Área Militar e o Povoado são mantidos permanentemente abertos. Na minha juventude o portão Oeste entre o Povoado e o Castelo fechava ao deitar do sol, enquanto o portão Leste permanecia aberto até as vinte e três horas. Hoje permanecem abertos todo o tempo. Todos os portões — abertos ou fechados — possuem sentinelas e são mantidos sob vigilância em período integral até hoje.

Foi, portanto, no Povoado que comecei a buscar refúgio para minhas aflições. Não sei ao certo o que me levou lá pela primeira vez. Talvez a curiosidade, talvez certo senso de aventura. A Tradição não me proibia de frequentar o Círculo Intermediário. Mas meu pai, sim. Havia, então, um gosto de mistério e proibição naquele lugar, por mais que ele estivesse no quintal de minha casa.

As sombras do muro começavam a cobrir o lado sul de nosso jardim, ironicamente repleto de amores-perfeitos naquela época do ano. As tardes tornavam-se quentes e uma inquietude me impediu de ficar no quarto quando terminei meus estudos. Com a proximidade do verão os dias ficavam mais longos e decidi dar um passeio. Mandei meu cavalariço selar Amora enquanto me dirigia a casa para colocar roupas mais frescas. Vesti um leve camisão de linho branco e calças de montaria. Não tinha planos. Não sabia para que lado ir. Conhecia a área interna do castelo tão bem que era capaz de cavalgá-la de olhos fechados. Os roteiros de sempre me pareceram monótonos, aborrecidos.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora