Capítulo 5

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Na manhã seguinte, levantei decidida a comentar com meu pai a conversa que ouvi. Doía-me pensar em Mestre Renan como uma espécie de traidor. Minha admiração por ele estava à beira de um abismo. Que as sementes que plantei em Aléssia floresçam soava repetidamente nos meus ouvidos. Como um mau agouro ou uma maldição. Sentia-me usada, traída.

Meu ânimo estava bastante exaltado quando entrei no salão para o desjejum. Mas, por uma infeliz coincidência, Don Otto acompanhava meu pai em sua refeição matinal. Não era uma presença usual, o que me deixou ainda mais alerta. Calaram-se tão logo entrei e, enquanto ocupava meu lugar à mesa, fiz questão de lembrá-los que eu também participava do governo de nosso país.

— Não há porque se calarem em minha presença. Não sou mais sua pequena filha, meu pai. Sou conselheira do reino. Em poucos dias terei dezoito anos e legalmente estarei apta a assumir o governo. Preciso conhecer nossos problemas para saber resolvê-los quando chegar o momento.

Meu pai pigarreou levemente contrariado, mas respondeu com a voz mansa:

— Fico feliz em ver seu interesse nos assuntos de governo. Mas, mesmo não sendo mais uma criança, ainda não tem todos os conhecimentos para compreender certos detalhes administrativos. E mesmo que esteja às vésperas da idade legal de transmissão de poder, ainda não recebeu de mim os votos que lhe darão o direito de reivindicar o trono. Quando chegar o momento, você tomará conhecimento de tudo o que é preciso saber, mas por enquanto Sir Otto e eu temos assuntos reservados a tratar.

E, sem me dar tempo de resposta, os dois se retiraram. Fiz minha refeição sozinha, jurando ter uma conversa séria com meu pai na primeira oportunidade.

Os fatos, no entanto, conspiraram contra mim. Inesperadamente meu pai partiu em campanha pouco antes do almoço. Desde meu nascimento, suas viagens eram raras e sempre programadas com antecedência. Sua ausência, inesperada, me deu a certeza de que algo sério acontecia no reino. E Mestre Renan com certeza estava envolvido até o pescoço!

Matilde foi meu desabafo naquele dia. O treinamento vespertino terminou algumas horas antes do pôr do sol. Ordenei à Lara que me preparasse um banho de cheiro e trouxesse alguma de minhas roupas velhas, que havia enviado à lavanderia dias antes. Saí de casa banhada em flores, com uma camisa creme meio surrada e uma calça de couro justa no corpo, mas usada o bastante para não chamar a atenção. Envolvi minha cintura em uma faixa branca, como os soldados faziam, e escondi meu rosto sob a aba de um chapéu largo. Circulei normalmente pelas ruas do povoado e nenhuma pessoa estranhou minha presença. Estava ficando especialmente boa em metamorfoses.

A casa de Matilde estava calma e sem nenhum aviso de que ela estivesse com visitas. Bati três vezes na madeira e seu sorriso, ao inesperadamente me ver, compensou o tormento da noite anterior. Puxou-me para seus braços e trancou a porta. Eu estava em paz, finalmente.

— Então ontem um poderoso veio lhe ver, não é?

Ela pareceu desconcertada com meu comentário. Pensei, por um instante, que talvez fosse indelicadeza de minha parte mencionar seu delicado trabalho. Mas sentia-me tão íntima e tão cúmplice de Matilde, ansiava participar de sua vida de forma tão intensa, que afastei rapidamente essa sensação desagradável.

— Eu lhe alertei que isso poderia acontecer algum dia — ela respondeu, numa voz que aparentava alguma tristeza.

Tomei-a em um beijo de profundo amor e compaixão e, encarando profundamente seus olhos castanhos, tentei tranquilizá-la.

— Sei bem disso, minha querida, e não estou lhe cobrando nada. Mas não há como negar que senti falta de seus braços.

— Eu também senti sua falta, Aléssia.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora