Capítulo 6

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Cheguei a meus aposentos pouco depois do raiar do dia, com os músculos exaustos e a cabeça confusa. Pedi a Lara que me preparasse um banho e, alegando um mal-estar, faltei em meus compromissos diários. Tal atitude seria impossível na presença de meu pai. Decidi aproveitar um privilégio que sua inesperada ausência me dava.

Precisei de alguma artimanha para escapar dos cuidados das criadas que queriam, a todo custo, chamar Malvina para me examinar. Consegui convencê-las de que meu mal era cansaço e preocupação com a ausência do Rei. O que não era exatamente mentira, embora as palavras fossem tênues para expressar quão preocupada eu realmente estava.

No meio da tarde resolvi arejar minha cabeça em um passeio no bosque, coisa que há meses não fazia. Qual não foi meu espanto ao encontrar Amaryllis sozinha na pequena clareira que, na infância, nos servia de esconderijo? Estava linda em um vestido de brocado, sentada entre flores, o cabelo esvoaçando ao vento. Seu semblante era bastante carregado e isso me preocupou. Apesar de tudo o que havia ocorrido recentemente conosco, eu tinha enorme carinho por ela e não lhe desejava mal algum. Justo ao contrário – faria de tudo para poupá-la das dores da vida, se isso estivesse a meu alcance.

Apesar de desejar confortá-la, hesitei em me aproximar daquela que, um dia, foi minha maior amiga. Recuei alguns poucos passos, mas um galho seco quebrou a meus pés e o barulho lhe advertiu de minha presença. Imediatamente Amaryllis ficou em pé olhando-me assustada. Era realmente triste ver duas pessoas que se gostavam estranhando-se daquele jeito. Então, enchi-me de coragem e me aproximei.

— Desculpe, não queria incomodá-la. Não fazia a menor ideia de que você estava aqui e quando a vi não quis perturbá-la, já estava indo embora.

— Você não me perturba, Aléssia, não sei de onde tirou essa ideia. As responsabilidades da vida adulta nos afastaram um pouco, mas creio que nossa amizade ainda seja a mesma, não é? Eu, pelo menos, lhe quero enorme bem, e não imagino motivo algum para que você me queira mal.

Sorri feliz, o coração em êxtase. Já tinha perdido a esperança de um dia ouvir palavras gentis vindas da boca de Amaryllis.

— Eu lhe tenho um carinho enorme, Ma, e tenha certeza de que nada irá mudar isso. Nunca.

— Fico feliz em ouvir isso, Aléssia. Ultimamente andava me perguntando se tudo o que vivemos na infância foi apenas coisa de crianças.

Seu sorriso continuava sincero e lindo como sempre fora, mas hoje estava embotado pela mesma tristeza que escorria de seus olhos. Senti vontade de abraçá-la, ampará-la, dizer-lhe que minha proteção seria eternamente sua. Mas tudo o que fiz foi me aproximar mais alguns passos. Agora estávamos perto o suficiente para que eu sentisse o cheiro de sua pele, trazido pelo vento que brincava entre as árvores. Seu aroma continuava inebriante como o vinho. Precisei de força de vontade para não perder a lucidez. Ao que tudo indicava, eu ainda a amava com todas as minhas forças, o que me causava certa confusão, já que também nutria sentimentos profundos por Matilde.

Sentia-me estranhamente tímida em sua presença e lutava contra esse sentimento. Minha amiga precisava de minha ajuda. Separamos-nos por um comportamento inadequado de minha parte, cabia a mim restaurar o mal que havia feito e reconquistar sua confiança. Argumentei secretamente comigo, enquanto contemplava as folhas secas que murchavam a meus pés e, por fim, criei coragem para erguer meus olhos e falar-lhe com franqueza, conforme ordenava meu coração.

— Espero que não se aborreça com minha indiscrição, Amaryllis, mas seus olhos transbordam tanta preocupação... Posso lhe ajudar em alguma coisa?

Seu olhar ficou mais tenso e ela olhou as coisas em volta, evitando me encarar. Sua voz deixou transparecer que algo sério acontecia.

— Obrigada, Alê. É bom saber que você se importa e, sinceramente, eu adoraria que você pudesse me ajudar. Mas infelizmente não pode. Acho que ninguém pode.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora