Capítulo 10

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A ansiedade da viagem ressurgiu firme na minha cabeça, tudo o mais despencando para fora da consciência. Lara auxiliou-me com o delicado uniforme militar, tão complicado de vestir. Ganhei o uniforme há aproximadamente dois invernos, mas se o tinha vestido três vezes era muito. E pelo menos uma dessas vezes foi por vontade de me olhar com o traje de gala, e não por necessidade.

Cheguei ao salão de refeições devidamente paramentada, mas fui surpreendida pela notícia de que meu pai desejava me ver antes de nosso desjejum. Encontrei-o em seu escritório, em armadura completa, como se fosse para uma batalha.

— Sente-se, minha filha. Há algumas coisas que você precisa saber antes de sairmos.

Obedeci a seu comando e me acomodei em uma cadeira de espaldar alto. Ele fechou a porta, colocou uma cadeira a minha frente e se sentou antes de continuar:

— Lembra quando você era pequena e passava horas me interrogando como era a vida lá fora? Sempre que eu voltasse de uma viagem, por menor que fosse, você me atacava com perguntas e mais perguntas, curiosa com um mundo que, no seu pensamento de criança, era rico, colorido e aventureiro. Lembra-se disso, Aléssia?

— Como poderia esquecer, meu pai?

— Pois, finalmente, chegou o momento de conhecer aquele mundo com o qual você sonhava, minha filha. Mas devo adverti-la de que ele é muito diferente do mundo que você criou em sua pequena mente infantil.

Parou por alguns momentos, olhando a paisagem lá fora. Julguei que talvez buscasse as palavras corretas para continuar.

— Lembra do que lhe falei sobre nossa família, Aléssia? Lembra-se da Pedra? Nós não somos iguais aos outros.

Rei Aran parou por mais alguns instantes. Parecia que a conversa não era fácil para ele. Como demorasse a continuar, julguei que talvez devesse dizer algo.

— Como assim, não somos iguais aos outros, meu Rei?

Sua expressão séria me encarou.

— Somos destinados ao poder, minha filha. E, para mantê-lo, somos mais fortes e inteligentes do que a maioria. E mais do que isso: somos merecedores do poder que temos.

— Por que diz isso agora, meu pai?

— Porque a vida fora de nossos muros foi destinada, pelos Deuses, a todos aqueles que cometeram terríveis faltas em suas vidas passadas.

Mais uma vez, senti que a conversa com meu pai carecia de sentido. Embora eu conhecesse os Deuses desde pequena e já conhecesse os Mistérios, o suficiente para realizar pequenas cerimônias, pareceu-me um pouco exagerado que viver fora dos muros fosse algum tipo de punição.

Como se adivinhasse minha dúvida, o Rei me segurou ternamente pelos ombros e advertiu-me:

— Acredite no que estou lhe dizendo, minha filha. Você verá com seus próprios olhos. Eu posso distribuir a justiça terrena, mas quem sou eu para comandar a justiça divina? Só o que está a meu alcance é tentar minimizar o sofrimento desses infelizes. Mas, mesmo isso, tem que ser feito com parcimônia, pois, se é vontade dos Deuses que eles sofram, nem mesmo eu tenho poder de alterar esse rumo.

Selou a conversa com um beijo em minha testa e se levantou. Eu queria dizer um monte de coisas, perguntar um monte de coisas, mas as palavras me faltaram.

O desjejum foi em silêncio, como se a conversa no escritório tivesse gerado um pacto entre nós. Do lado de fora a cavalaria estava pronta, aguardando apenas nosso comando para partir.

Encontrei Amora vestida com as cores de nosso reino. Estava linda, como eu nunca a havia visto.

— Ficou linda, não é? Mandei fazer especialmente para esse dia. Achei que você ia gostar. Além do que, a futura Rainha merece uma montaria com indumentária digna.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora