Capítulo 19

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A desconhecida agarrava com fúria minha cintura. O calor de seu corpo em minhas costas livrava-me da preocupação com a fúria de meu pai. No lugar disso, assustava-me saber que a vida da pequena dependia de minha perícia em me manter viva.

Cavalguei rumo ao sul, fazendo um leve desvio para o oeste. Dessa maneira, esperava estar longe o bastante para não ser avistada por soldados na muralha do castelo. Vi a silhueta de minha casa surgindo com os primeiros raios de sol. À medida que clareava, tentava perceber sinais de cavalos nos perseguindo, mas não percebi nada.

Na primeira hora após o nascer do sol, tendo certeza de que não havia cavalos próximos, parei em uma rara sombra perto do Rio Raso. Amora precisava beber e descansar, estava em seu limite.

Enchi meu cantil com água do rio e ofereci à jovem. Agora, com a luz do dia, podia notar como era bonita e graciosa. Sem que eu tivesse intenção, minha cabeça começou a formar imagens do que teria acontecido se a garota passasse a noite na barraca de meu pai. Despejei o resto da água do cantil na cabeça, para me acalmar. Quantas vezes isso teria acontecido no passado? Quantas jovens teriam sofrido abuso em suas mãos?

— Obrigada, soldado.

Seu olhar era duro e seco e pronunciou "soldado" com certa malícia, como se fosse uma sutil acusação. Enchi novamente o cantil e tornei a lhe oferecer, mas recusou num gesto. Tomei a água com sofreguidão, nunca tinha sentido tanta sede na vida.

Amora deitou na sombra, a respiração exausta. Havia sido brava correndo por caminhos difíceis a noite toda. Meu corpo também estava moído, mas não conseguiria descansar sabendo que, em algum lugar, um grupo de soldados me caçava.

— Como é o seu nome? – Perguntei mais para escapar de meus pensamentos do que por curiosidade.

— Por que quer saber?

– Acho que vamos ficar juntos por um tempo, não é?

— Como é o seu?

— Iago.

A garota mediu meu corpo com seus olhos profundos e chegou a abrir os lábios, como se fosse dizer algo. Mas aparentemente mudou de ideia. Olhou a toda volta, como se quisesse descobrir onde estávamos.

Amora ergueu a cabeça e começou a mastigar a grama próxima de onde estava. Felizes os cavalos que se alimentam de forma tão simples, pensei.

— Estou com fome.

— Eu também — concordei com o estômago dolorido. — Mas infelizmente não temos provisões. Tive que fazer tudo muito rápido.

A garota tentava formar um juízo sobre seu salvador. Tinha um olhar peculiar, provavelmente em virtude de suas sobrancelhas grossas, que afinavam a caminho do canto externo dos olhos e chegavam à têmpora formando um ângulo agudo, dando-lhe expressão intensa. Seu rosto quadrado, mas de traços suaves, era dominado pela boca pequena com lábios carnudos. Minha curiosidade começou a aumentar.

— Se não quer me dizer seu nome, tudo bem. Não vou lhe obrigar. Mas é melhor deitar e tentar descansar um pouco. Não podemos ficar parados muito tempo.

Recostou no tronco da árvore que nos garantia abrigo e fechou os olhos. Eu sentei ao lado de Amora e permaneci atenta.

— Você não vai descansar?

— Alguém precisa vigiar.

— Mas você precisa ter força para nos levar a algum lugar seguro.

— Não se preocupe, estou habituada.

Percebi meu deslize tão logo as palavras escaparam. Mas já era tarde.

— Habituada?

Levantei sem encará-la e me agachei nas margens do rio.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora