Capítulo 40

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Aquela madrugada marcava a chegada definitiva do outono, mas o ar já estava mais frio há pelo menos duas semanas. Vestindo roupas reforçadas com lã, fui ao estábulo para verificar Amora. Foi com tristeza que constatei que os cavalos dispunham de poucas mantas e, preocupada com a saúde dos animais, passei horas carregando feno para as baias. Quanto maior fosse a cobertura de solo, mais protegidos os animais estariam. Voltei para casa com a lua cheia iluminando meu caminho e, por volta das três da manhã, aticei o fogo do quarto e me deitei com todas as cobertas disponíveis. A continuar dessa maneira, teríamos o inverno mais rigoroso dos últimos anos. Enrolei uma manta em meu corpo e deitei encolhida, os joelhos quase no queixo, pensando nas dificuldades do clima como maneira de me distrair daquilo que realmente me preocupava: a guerra.

Para aumentar minha angústia, Alex estava em retiro com as outras anciãs da Casa das Almas. Sua ausência aumentava tanto o frio quanto a insônia.

O esforço físico no estábulo ajudou a trazer o sono perdido, e eu estava finalmente mergulhando em sonhos quando o ruído de cavalos a galope chamou minha atenção. Apurei os ouvidos e percebi três ou quatro cavalos passando próximos a meu quarto. Aproximei-me silenciosamente da janela e movi as cortinas de maneira discreta, apenas o suficiente para enxergar os três cavaleiros que seguiam em direção ao estábulo. Vesti minhas roupas e, com Brenda em punho, me esgueirei atrás dos homens. Ainda que confiasse na segurança de nossas muralhas, não era possível relaxar. Cavaleiros chegando de madrugada era algo raro o bastante para levantar suspeitas, e as tentativas de Rei Aran para invadir Líath eram cada vez mais audaciosas. O atentado a Breno, no coração da cidade, era prova disso.

Os homens guardavam seus cavalos quando me aproximei do portão do estábulo e, abaixada entre as sombras, observei o movimento. Não falavam nada, comunicavam-se apenas por gestos, aumentando minhas suspeitas. Mas então um deles retirou o capuz que usava para se proteger do frio e indicou a saída aos outros dois. Minha apreensão se transformou em felicidade quando reconheci esse homem.

— Mestre Renan!

Minha voz alterada fez os cavalos relincharem e os moradores das casas próximas de assustaram com o movimento fora do comum. Era esse alarido que os homens tentavam evitar, chegando à cidade em plena madrugada. Mas minha alegria e estupidez quebraram o silêncio, provocando risos em meu tutor.

— Aléssia! — exclamou em um tom de voz muito mais baixo que o meu, os braços esticados para um abraço sorridente. Deixei-me envolver em um cumprimento saudoso e gastamos quase um minuto nos olhando, matando as saudades.

Os homens pretendiam dormir na Casa Comunitária, o pequeno palacete do outro lado da praça, em frente minha casa. Mas os levei para minha cozinha, e me aventurei a preparar eu mesma um chá para nosso desjejum. Assim poderíamos conversar em paz e atualizar as informações de lado a lado.

A bebida quente e a amizade amenizaram meus medos e dúvidas. A conversa fluiu com facilidade, Renan e seus amigos me contando sobre os últimos dias em Âmina. De maneira geral os relatos eram dolorosos, embora não surpreendentes. Ataques medonhos a povoados desprotegidos tornaram-se rotina. A população do reino estava sendo dizimada, e não conseguíamos entender o motivo. Cidades maiores como Luzerna eram poupadas, mas os vilarejos pequenos e desprotegidos eram, pouco a pouco, retirados do mapa.

— A vida no Castelo terminou para mim, essa é a verdade, querida. Decidi ser mais rápido do que Aran, e saí de Âmina enquanto era possível circular com relativa segurança. A essa altura já me tornei um foragido, com toda certeza. Mas cheguei aqui com tranquilidade e sem ser seguido. Tomamos todas as providências necessárias para isso.

— Fico muito feliz que esteja aqui, Mestre. Tenho certeza que seu apoio e carinho serão fundamentais pra mim no futuro que se aproxima. Mas é uma lástima perdermos nosso informante, era bastante confortável agir sabendo o que acontecia no castelo.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora