Capítulo 21

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O cheiro dos lençóis de minha cama foi subindo à medida que meu corpo afundava naquele aconchegante mundo macio. A suavidade do algodão tocou minha pele como uma carícia leve e, por uma fração de segundo, tive a sensação de ouvir a voz quente de Lara, declarando seu amor. Meus músculos estiraram-se felizes e um cansaço acumulado por dias, meses talvez, se desprendeu dos ossos pronto a me abandonar. Mas então um barulho aquoso, vagamente conhecido, chamou minha atenção. Não demorou muito e se repetiu: um peixe preso em uma das varas.

Sentei assustada recobrando a consciência, os braços puxando a linha antes que a cabeça completasse seu raciocínio. Uma tilápia se debatia, puxei-a para terra e sangrei com a faca. Prendi nova isca na linha e joguei novamente na água. Nesse gesto vi meu rosto refletido no lago. Cansado, abatido, envelhecido. Os sons da mata, o ar aromatizado, a luz filtrada pelo verde, a paisagem real da Floresta Escura em nada se parecia com as imagens de meus pesadelos infantis. Os pesadelos que eu vivia naquela cama macia, cama com a qual meus ossos sonhavam agora, a ponto de deitarem no chão batido rememorando a sensação do velho colchão que me confortava desde a infância.

Quando a luz começou a diminuir eu havia pescado sete peixes grandes. O suficiente para alguns dias de viagem, desde que a carne pudesse ser bem conservada. Procurei entre as árvores aquela que pudesse me fornecer as folhas mais largas e, com elas, improvisei uma cobertura no chão. Então descamei os peixes e os lavei no lago, pousando-os delicadamente sobre as folhas. Com todos limpos, cortei-os em postas e embalei em outras folhas, previamente forradas com ervas. Amarrei os embrulhos com folhas de salgueiro e depois enchi as duas bolsas de viagem de Amora. Voltei para o acampamento nas primeiras horas do anoitecer, feliz por ter um problema a menos. Precisava agora encontrar uma forma de carregar água.

Quando voltei, Diana já estava cuidando de aumentar o fogo de nossa pequena fogueira. Peguei alguns galhos fortes e preparei uma base para assar postas de peixes. Teríamos uma boa refeição naquela noite. Levei o cantil para encher, analisando as folhas, tentando encontrar alguma que pudesse servir de base para um cantil improvisado. Depois cuidei do peixe assado, reforcei o tempero com algumas frutas cítricas e mais ervas aromáticas. Servi Diana em vasilhas que improvisei com folhas de palmeiras.

— Espero que a refeição lhe seja palatável, querida lady — disse gentilmente, ao mesmo tempo em que caricaturava as mesuras próprias dos criados para com seus nobres. Conheci então o sorriso largo e luminoso de Diana, a maneira peculiar com que seus olhos se alongavam junto com as bochechas acompanhando o lindo semicírculo desenhado por seus lábios.

— Quanta gentileza, cavalheiro. Tenho certeza que vou adorar — e curvou levemente o tronco, numa mesura de agradecimento. Depois colocou um largo bocado na boca, lambeu os dedos com prazer e me olhou deliciada.

— Nossa, acho que é melhor peixe que já comi!

— Não seja exagerada.

— É sério, Iago! Muito bom mesmo, meus parabéns! Achei que fossemos morrer de fome nessa floresta, mas você consegue fazer milagres.

— Ah, se eu fizesse milagres mesmo, nós nem precisaríamos estar na floresta! — disse com um suspiro. Minha casa, minha vida passaram novamente por minha cabeça. E Lara. E mais uma vez a preocupação a seu respeito. Dava tudo para ter notícias dela.

Comemos em silêncio, felizes pela primeira refeição generosa, desde que nossa aventura havia começado. Diana me observava sem dizer nada. Como de hábito, analisava cada um dos meus gestos e expressões faciais.

— Você é um homem diferente, Iago.

Seu comentário me assustou.

— Como assim?

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora