Capítulo 44

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Amora foi conduzida para um entremeado de árvores onde outros cavaleiros nos aguardavam. Eu conseguira soltar uma de minhas mãos, e estava prestes a livrar a outra, quando senti uma pancada na cabeça. Ainda percebi três cavaleiros nos cercando, depois não vi mais nada.
Acordei à noite ao lado de uma fogueira. Mas me obrigaram a beber um líquido amargo e tudo escureceu novamente. Em outra ocasião, me encontrei deitada sobre o dorso de um cavalo. Estávamos ainda na Floresta Escura e vi dois soldados próximos. Um deles conduzia Amora amarrada à sua sela, e deu um alerta ao me ver acordada. A viagem foi interrompida e, mais uma vez, forçaram o líquido asqueroso em minha garganta. Numa terceira ocasião chovia muito e não havia nenhum fogo por perto. Os homens comiam ruidosamente e meu estômago se contorcia de fome, mas não me mexi. Não queria ser drogada novamente.

— Tem certeza que não é pra dar comida pra ela?

— O Rei quer que esteja fraca.

— É só uma mulher, meu Deus, por que tanta precaução?

— Essa peste usa a espada com uma ligeireza que dá medo. Já treinei com ela algumas vezes.
A última frase foi dita por uma terceira voz, mas não a reconheci. Já havia treinado com muitos soldados e não era possível me lembrar de todos.

— E que beleza é essa lâmina, hein? Adoraria ficar com ela.

Foi o primeiro homem que falou, e descobri que estava com Brenda. Pode parecer estranho, mas senti uma pontada de ciúmes.

— Essa é a Princesa, e não um saque. Experimente pegar um só grão dos pertences dela pra ver o que te acontece.

Era a voz do segundo homem agora, e percebi certo temor em seu modo de falar.

— Princesa que nada! É inimiga agora.

— Só um tolo como você pra acreditar nisso, Percival. Isso é briguinha de família. Daqui a pouco acaba e nós é que estamos ferrados. Esse saco de batatas aí vai ser Rainha. E com certeza irá atrás do idiota que lhe roubou a espada.

Houve uma gargalhada geral e notei que outros homens estavam por ali.

— Sorte sua que tá apagada. Se te ouve chamá-la de saco de batatas...

O comentário foi de um quarto homem e provocou mais risos.

— Até que ela não de se jogar fora, hein? E dormindo assim dá até vontade de fazer uma loucura.

— Esse é o Lourenço, pega qualquer uma. Essa aí é feia como uma cadela, e ainda por luxo gosta da mesma coisa que a gente.

A chuva apertou e começou a gotejar forte na minha testa. Estava no chão, de barriga pra cima, e a água se acumulava em algumas folhas, ameaçando entrar em meu nariz. Não me mexi, no entanto, e concentrei a atenção nos insultos com a esperança de que aquela conversa fiada me dissesse algo útil.

— É grandalhona, é verdade, mas não é feia. Essas roupas de homem é que tiram o tesão da gente, mas se o Rei me pedisse, eu era capaz de fazer o sacrifício de casar com ela.
Os risos agora foram mais fortes e persistentes.

— Eu também faria o sacrifício de ser Rei, Hermes, mesmo que tivesse que foder essa puta todos os dias.

— Só até tirar dela um filho, respondeu alguém no meio das gargalhadas insistentes, depois podia até mandar a pervertida pra debaixo da terra que ninguém ligaria a mínima.

Com a conversa se alastrando, percebi que a tropa era grande. Pensei em Alex, preocupada. Não falavam em outros reféns e, todavia, aqueles soldados só podiam ser os mesmos que nos emboscaram na estrada. Temi pela vida de minha mulher, o que aumentou minha dor de estômago.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora