Capítulo 48

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Por que vi essas coisas em meus sonhos? Naquele instante eu também não sabia. Compreendia que eram importantes, embora ainda não pudesse interpretá-las corretamente. Parecia ser a história de como a Pedra criou seu domínio sobre Âmina, mas eu não sabia dizer se tudo o que vi era verdade, ou se minha imaginação criara parte daquilo. Como poderia a Pedra ser a morada da alma de um jovem assassinado como criminoso por seu povo? Mas, se fosse possível, parecia indicar que toda aquela terra era devastada pela vingança de um espírito.

Tentava espantar o calafrio que a ideia me dava, quando Irina trouxe meu café da manhã. O sol iluminava minha janela há bastante tempo, mas estávamos no meio do verão e os dias eram longos. A menina colocou a bandeja na mesa e, antes que começasse a me servir, fiz um gesto indicando que iria até a mesa. Desde o ritual da Pedra, eu havia me levantado menos de meia dúzia de vezes. Já era hora de caminhar, me fortalecer.

Irina vestia uma túnica longa com uma generosa abertura na frente. Era possível observar mais de metade de seus seios firmes e fartos. A túnica era amarrada com um cordão de corda crua e evidenciava a cintura fina, as ancas generosas, as curvas bem delineadas que minha nova serviçal possuía. A garota havia sido escolhida a dedo, e eu imaginava se meu pai testara pessoalmente as candidatas. Rei Aran parecia sentir um prazer extraordinário em dividir mulheres comigo. Será que sabia de meu envolvimento com Matilde?

Concentrei minha atenção na comida para evitar que minha imaginação fosse além. Nenhum daqueles pensamentos era agradável. E meus olhos caíram sobre algo que era fartamente agradável. Melhor do que qualquer um dos meus angustiados pensamentos: as pernas de Irina. Eram grossas, bem torneadas e com uma pelugem loura, que lhes dava um aspecto sedoso. Irina tinha um tom de pele acobreado, que eu nunca vira antes, e esse aspecto exótico lhe tornava ainda mais apetitosa. A jovem percebeu meus olhares e retribuiu com um lindo sorriso. Seus dentes eram perfeitos e pareciam mais brancos do que os de nossa gente. Quando os elogiei, explicou que todos os dias esfregava sal neles.

— Sal bom ossos, Mhuire. Esfregar dentes manhã. Bom.

Nos primeiros dias mal ouvi sua voz, mas agora parecia mais confiante em se comunicar, apesar de inserir palavras do seu idioma nativo, vez por outra.

— Como era sua vida antes de ser capturada pelas tropas de meu pai?

Pela primeira vez desde que a conheci, vi Irina encabular. Era sempre segura de si e um tanto altiva. Não parecia uma escrava, e talvez minha pergunta tenha tido o inconveniente de lembrar-lhe desta condição. Por alguns momentos pareceu procurar as palavras. Depois sorriu e disse que gostava de estar aqui.

— Gosta do Castelo? — Achei que talvez estivesse gostando da companhia das outras aias e criadas. A vida no círculo interno não era ruim. Se comparada à vida dos povoados, era um lugar de sonho, um paraíso.

— Gosto de você — disse com um sorriso ainda mais branco que o anterior.

Aquela provavelmente foi sua primeira frase correta em meu idioma. Sorri sem jeito, pois não esperava aquela resposta. Pensei em tudo o que Irina teria passado recentemente. Não era difícil imaginar os martírios, e me servir seria, com certeza, uma trégua no pesadelo. Mas quanto tempo duraria?

Talvez eu pudesse protegê-la, comecei a pensar, e então me lembrei de Lara e senti uma pontada no peito.

Mais tarde, naquele dia, meu pai veio me visitar. Olhou o pequeno corte em meu pulso e me perguntou por meus sonhos. Menti dizendo que não os tinha, notícia que ele recebeu consternado. Estava bem-humorado e carinhoso. Parecia-se com o pai zeloso que eu conhecera na infância. Mandou chamar Malvina e as criadas e fez perguntas sobre minha saúde e alimentação. Ficou satisfeito em ouvir que eu estava saudável e que me alimentava normalmente. Gostou também de saber que não causava problemas às criadas.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora