Capítulo 49

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Arrepiei. Não contava com isso.

— O senhor já tinha um herdeiro quando recebeu a transmissão? — A pergunta era uma provocação, uma evasiva para escapar daquela armadilha.

— Naquela época não havia um exército tentando usurpar nosso trono.

— Uma criança não é feita da noite para o dia. Por que não sufocar a rebelião e, com a casa em ordem, tratar das coisas como devem ser? Um casamento real merece uma grande festa. E o nascimento de um herdeiro ao trono deve ser precedido de muito cerimonial.

— Sufocar a rebelião — olhou-me nos olhos quando repetiu minhas palavras — você fala sério? Quer acabar com essa rebelião de uma vez por todas?

— Há outro caminho para o poder?

Não havia, e ele concordou. Sorria e, no entanto, parecia farejar problemas. Temi que minha mudança de lado fosse repentina demais para convencê-lo, mas contava com o efeito do ritual. Não entendia completamente porque aquilo não havia, aparentemente, me afetado, mas presumia que em outros a mudança de comportamento fosse notável. Para todos os efeitos, era a Pedra que dominava minha consciência. Era nisso que meu pai devia acreditar.

Mas havia um ponto falho nessa minha esperança. A Pedra, ela própria, tinha força e condições de mostrar a verdade a meu pai. Por algum motivo, isso ainda não havia acontecido. Eu não sentia a presença da Pedra em mim, e talvez a força motora de minha família não tivesse coragem de confessar seu fracasso a meu pai. Será?

Rei Aran me ofereceu um drinque, e aceitei de bom grado. A coleção de uísque de meu pai era famosa até no exterior. Estava degustando o segundo gole quando descobri que meus problemas estavam só começando.

— Gosto da sua ideia e da sua determinação. Finalmente a vejo falar como uma Amaranto de verdade. Mas a sucessão é um problema urgente, e vamos deixar de lado as formalidades. Vou convocar seu noivo. Quanto antes você engravidar, melhor.

Meu sorriso morno não conseguiu esconder meu desagrado. Meu pai ergueu um brinde e tomamos um largo gole. A bebida me desceu amarga. Lutei para manter meu sangue frio: escapar era premente, e cada vez mais.

— Sacrifícios, minha filha, sacrifícios! O poder nos exige muito, mas oferece mais ainda. Você e Sir Armand cumprirão apenas as formalidades necessárias para a transmissão de poder. O Condado de Kent não sobrevive sem nosso auxílio e, portanto, seu futuro marido não poderá lhe fazer nenhuma exigência, fora o compromisso político. Tenha seus filhos, ao menos dois, para não precisarmos nos preocupar com a sucessão. Depois leve sua vida normalmente. Apenas em ocasiões formais você será obrigada a suportar a companhia de Armand. E eu mesmo cuidarei para que ele não lhe seja um peso em momento algum.

Bebi mais um largo gole e depois pedi permissão para retornar a meus aposentos. Pretendia cavalgar, mas a novidade refreou meu ânimo. Precisava de uma oportunidade perfeita para sair do Castelo. Mas tinha que fazer tudo de tal maneira, que meu pai não desconfiasse de nada até o último instante.

Pedi a Irina que me deixasse sozinha. Olhei a paisagem fora dos muros do castelo e pensei em Alexandra. Onde estaria? Como estaria? Queria tranquilizá-la, dizer-lhe que estava bem, contar que, milagrosamente, algo falhara no ritual da Pedra.

Queria escapar de meu destino e viver minha vida ao lado de meu amor, nada mais. Ah, como meu destino pesava nos ombros! Não queria ser Princesa. Não queria governar. Não queria ser responsável pela vida de milhares de pessoas. Queria ter uma vida comum e calma, ao lado da pessoa que eu amava. Nada além.

Mas mesmo o plebeu mais pobre de Âmina não tinha direito a essa vida simples. Ninguém viveria em paz naquele reino enquanto não houvesse justiça. E para que a Justiça pudesse existir, eu precisava ser Princesa, precisava fazer-me Rainha e libertar meu povo.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora