Capítulo 56

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Encontrei Irina em frente à janela, e suspeito que tenha tentado ver o que acontecia no pátio. Até hoje não sei se estava consciente da presença de seu cunhado em nossa residência. Minha preocupação era como ocultar sua presença durante o tempo em que a comitiva permanecesse em nossos domínios. Tendo ferido gravemente meu noivo, forçava a permanência dos homens de Condado Kent, pois agora cabia a meu pai oferecer os préstimos de Malvina para o restabelecimento do príncipe.

E então viriam as bodas.

No meio disso tudo estava Irina, a Princesa de Altnasfera, servindo-me como escrava.

Ordenei que se afastasse da janela e fui prontamente atendida. Sentou-se na beira de minha cama, acuada, e não reclamei. Ela controlava a vontade de chorar e senti vontade de sentar a seu lado e me desesperar junto. Como poderia mantê-la a salvo? Para meu pai seria mais simples executá-la e responsabilizar os rebeldes por isso.

Então tive o lampejo de uma ideia. Era arriscado, e provavelmente uma ideia tola. Pensei em Lara, morta por me ajudar. Que direito eu tinha de envolver inocentes naquele lodaçal familiar?
Mas, que outra solução eu poderia encontrar? Conseguiria proteger Irina enquanto estivesse no Castelo. Porém, em poucas semanas eu partiria. E o que impediria meu pai de se livrar daquele estorvo diplomático?

Não tinha escolha, e não consegui pensar em nada melhor que aquilo. Recolhi uma de minhas roupas velhas no armário e mandei que Irina a vestisse. Olhou-me com espanto, entretanto um berro foi o suficiente para que obedecesse. Soluçava profundamente, mas colocou as roupas e já não se parecia tanto com ela mesma.

Lá fora começou um barulho de rodas e cavalos, contudo não dei atenção. Minhas preocupações eram mais urgentes. Abri a porta e gritei por Rafa, meu pequeno escudeiro. O menino apareceu no salão principal, e ficou confuso quando o mandei subir. Nunca teve permissão para entrar em meus aposentos privados.

— Posso confiar em você? — perguntei-lhe de chofre assim que entrou. O garoto tremeu, confuso, enquanto observava Irina encolhida a um canto do quarto.

— É importante, Rafa, posso confiar em você?

Inclinou levemente a cabeça, com medo demais para me confrontar. O menino tinha quase catorze anos, e era mais baixo que os meninos de sua idade.

— Preste atenção! O que preciso que você faça é importante e perigoso. Acredite, eu não lhe pediria isso se houvesse outra opção. Mas não há. Preciso que me ajude a salvar a vida dessa mulher.

O rapaz a olhou longamente, possivelmente confuso pelas roupas de Irina.

— Você nunca poderá falar sobre isso, com ninguém. Se o fizer, você e ela podem ser mortos. Compreendeu?

O garoto continuava relutante. Era um bom menino, assustado com a responsabilidade de me servir. Como todos os meninos de sua idade, sonhava em ser guerreiro, entretanto tinha uma índole delicada demais para os riscos da profissão. Talvez eu tivesse me precipitado ao confiar no garoto e agora não tinha mais volta.

— Você quer ser um guerreiro, não quer? — Ele assentiu com a cabeça — E você sabe qual a missão de um guerreiro?

— Meu pai diz que soldados deveriam salvar as pessoas, porém não é isso o que fazem.

— Não estou falando de soldados e sim de heróis, Rafa. Você quer ser um herói?

Seu rosto se iluminou.

— Então, faça o que estou dizendo. Leve Irina até a casa dos seus avós.

— Não.

Irina levantou-se, nervosa. Olhava-me em tom de desafio, estava disposta a me enfrentar. Talvez soubesse que a delegação de Condado Kent estava aqui, pois nesse caso retirá-la da casa principal seria uma espécie de segundo sequestro.

Aléssia || HISTÓRIA COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora