5. Cacos

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— Se eu pudesse voltar no tempo eu tinha falado pra sua mãe te abortar!

— E eu, se pudesse voltar no tempo, teria fugido de casa quando era criança!

— Seria um presente, moleque! Pra mim você é um peso morto! Vinte e dois anos na cara e não passa de um vagabundo!

— Eu não sou vagabundo, pai! Eu sou estudante.

— Porra de estudante, vai trabalhar, catar latinha ou vender cocaína. Qualquer coisa que seja coisa de homem!

— Vender cocaína pra você mesmo comprar?

— É pode ser!... É melhor do que ficar com essa bobagem de universidade. Isso é coisa de rico e aqui nessa casa, nós somos pobres e fodidos! Entendeu?... Fodidos! — gritou, jogando a garrafa de bebida na parede próxima ao garoto.

Pondo o braço no rosto, Lucas tentou se proteger do vidro que se estilhaçou, mas não pôde impedir que alguns dos cacos cortassem sua pele.

— Droga, pai! Olha o que você fez! Tá maluco? Pirou de vez?

— Tô! Eu tô maluco! Seu assassino, assassino de merda! Sai da minha frente, assassino de desgraçado!

O rapaz abriu a porta da casa e a passos largos andou pela rua em direção a faculdade.

Não era uma distância curta, mas estava acostumado aquela caminhada diária, na verdade era menos cansativa do que a vida que levava com o pai.

Anos e anos carregando o mesmo fardo, um pai viciado em álcool e drogas que diariamente o destratava e dava trabalho, como dormir sobre o próprio vômito.

Olhou para o próprio antebraço, mais uma marca que teria de inventar uma desculpa para não expor o histórico do pai. O sangue escorria, não parecia ser profundo, todavia precisava limpar aquilo.

Com a garganta apertada e o coração aos pulos, Lucas entrou na lanchonete da dona Mônica, antiga amiga de sua mãe.

— Oi Mônica, posso usar o banheiro pra lavar isso aqui? Eu...

— O que aconteceu, garoto? — perguntou a mulher, puxando o braço do rapaz para examinar.

— Eu caí — respondeu, apertando o maxilar.

— Caiu nada, eu sei que foi aquele viciado de merda!

— Não foi, não. Eu realmente caí!

— Garoto, até quando você vai engolir tudo isso? Você não pode continuar fingindo que tá tudo bem.

— Eu juro que eu caí, Mônica, eu juro! — falou mais alto do que planejava.

— Tá bom, tá bom... vem aqui, vamos lavar e cuidar desse corte.

— Obrigado e desculpa.

— Tá tudo bem, você tá nervoso. Quer dormir lá em casa, hoje? Vou fazer aquela canja que você gosta.

— Eu não quero incomodar, Mônica.

— Você não me incomoda moleque, peida como um velho, mas eu já tô acostumada.

— Engraçadinha — falou, deixando escapar um pequeno sorriso.

Com carinho a mulher que o viu crescer passou os dedos nos cabelos ondulados do rapaz.

Lucas permitiu o cafuné da única pessoa em quem confiava.

Lucas permitiu o cafuné da única pessoa em quem confiava

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