Cobriu os ouvidos com as mãos e enfiou a cabeça entre os joelhos, não queria ouvir aquilo, não de novo.
Com certeza era o tal inferno que ouviu que existia quando tinha seis anos.
Seu corpo todo tremia de pavor, todavia tentava a todo custo segurar as lágrimas pois não queria demonstrar fraqueza.
Não poderia mais ser fraco, precisava encontrar forças para enfrentar tudo.
Mesmo com os ouvidos tapados podia perceber sua própria respiração e aproveitando o ensejo, iniciou a prece baixa que normalmente proferia em situações como aquela.
Repetir a prece aprendida na igreja ajudava a aliviar um pouco o tremor.
Urros e sons de garrafas sendo arremessadas no chão.
Seria morto, com certeza tinha chegado o seu fim.
Contudo, não poderia demonstrar fragilidade, não de novo, caso contrário seria pior.
Tinha certeza que quando o medo lhe dominava uma força maior estimulava ainda mais a fúria do monstro que gritava naquele ambiente.
— Era pra você tá morto e não ela, ouviu moleque? Era pra ter sido você!
Culpa perseguia o garoto, desde quando era menor ouvia aquela mesma acusação: Assassino, assassino, assassino...
Não sabia ao exato quando sofreu a primeira agressão, talvez quando completou quatro ou cinco anos, depois que começou nunca mais parou, só piorou.
Encolheu-se um pouco mais sob a mesa, sabia que não estava protegido, mas gostava da sensação de estar coberto por alguma coisa.
De repente o móvel se mexeu soltando um barulho ruidoso e aquela fera a quem chamava de pai estava acima dele.
Gigante e poderoso.
Forte e invencível.
— Eu devia matar você, seu assassino!
Olhos injetados devido ao consumo de drogas e fúria o consumiam. A pele estava vermelha e as veias de sua garganta saltadas.
O monstro tinha derrubado sua camada de proteção, a mesa, e agora se aproximava cada vez mais.
Sabia muito bem qual seria o resultado daquilo.
Hematomas e contusões.
Um ruído espontâneo saiu da garganta infantil, mas engoliu o choro lembrando de que não podia demonstrar medo, aquela fera se alimentava de seu medo.
Mãos grandes seguraram os ombros estreitos o impulsionando para cima, para que ficasse de pé.
Enquanto sacudia o garoto franzino o homem gritava mais e mais:
— Assassino!
Soltou-o para erguer o punho fechado, mas o garoto, ao menos dessa vez, foi mais rápido e correu com suas pernas magras para porta a fora.
Sem conseguir mais conter o choro, ele disparou pelo Morro do Armagedom em direção ao local que poderia lhe acolher.
O único lugar seguro do seu pequeno mundo.
Chegando ao destino, arremessou seu pequeno punho cerrado na porta e quem a abriu foi o Pedro, marido da Mônica.
— Lucas!... Vem garoto entra — disse o homem, tomando o pequeno nos braços e fechando a porta atrás de si.
Malditas lágrimas!
Odiava chorar, ainda mais na frente de pessoas que julgava mais fortes que ele próprio.
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Sempre Cabe +1
RomanceDepois de trancar o curso de medicina na Europa, Diego volta para o Rio de Janeiro, sua cidade natal, para cursar publicidade e propaganda. Nesse meio tempo de andanças por faculdades diferentes ele conhece Natália, uma nordestina tímida e sensível...