Capítulo 55

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“Eu não tinha mais nada. Ninguém mais a quem recorrer, com quem contar, por quem lutar. Havia apenas a empresa prestes a virar ruína que meu pai construiu e conduziu por anos, até essa... ideia, sugestão, opção, — sinceramente não sabia como definir—, de contrato surgir. Poncho... Alfonso Herrera, corrigindo apenas porque, convenhamos, ele não é mais o Poncho que eu guardava em minhas recordações, estava longe da imagem do garoto anos mais jovem que lembrava, foi quem propôs, e eu não tinha muito o que fazer além de aceitar, porque parecia ser o certo, com o nada que me restara, era como uma faísca de uma possível chance surgindo para que eu pudesse dar continuidade ao que o meu pai deixara.

Um contrato de casamento. No momento em que eu resolvi aceitar não estava contando com o que seria da minha vida a partir do momento em que assinei todos aqueles papéis e dei início ao que hoje eu posso chamar de a âncora de escape que me tirou e me salvou do poço de ruínas em que eu estava.”

Era assim que a segunda parte daquele diário começava, todas as folhas a partir dali estavam menos deterioradas, Alfonso observou, sinal de que não fazia tanto que haviam sido usadas para Anahí escrever, pelo pouco que entendeu, apenas alguns meses depois do casamento deles.

Haviam datas, quando não no início, no rodapé da página, vez ou outra alguns rabiscos soltos de observações que ela fazia.

O primeiro deles, era algo um tanto quanto curioso.

“Não lembrava como os Herrera eram divertidos, de verdade. Passei anos estudando e convivendo com Maite, sobre ela eu sabia, ainda era como a menina amigável que sentava ao meu lado no colégio, mas Ruth ainda também é como eu recordava; doce e gentil. Ah, ela também casou novamente, e tem enteados, e netos, a casa vive bastante cheia como sempre gostou. É estranho e não sei definir ainda, mas me sinto bem entre eles.”

Observações sobre todos da família, Alfonso foi lendo aos poucos; maneiras de se portar, gestos, em como ela foi conseguindo se enturmar, ainda na defensiva, ele não precisou sequer ler para lembrar como foi quando Anahí entrou para o núcleo familiar e ainda eram meros estranhos, mas sempre havia um comentário e outro, de como ela conseguia se encaixar, devagar, em seu próprio ritmo.

E então chegou na parte das observações que ela começou a fazer sobre ele.

“Não me vejo mais confiando em um homem, não como ousei confiar um dia, mas Alfonso é... diferente. Não sei explicar o que é, ou como acontece, só sei que ele é.”

Alfonso sentiu-se estranho de repente enquanto lia aquele trecho novamente, como se estivesse invadindo a privacidade dela de uma maneira não tão agradável. De repente estava sorrindo, sem saber como, mas pela primeira vez desde que começara a ler aquele diário, porque era a visão dela sobre ele, ainda no início de tudo entre eles.

“Ao invés de levantar a voz ou a mão pra mim, Alfonso me escuta, e considera o que eu falo e o que sinto. É desconfortável para mim estar perto dele; não por ele, mas por mim mesma, em como é estranho não temer que pudesse ser repreendida a qualquer momento por algo que decido falar, ou como estou me comportando. Ele me faz sentir... confortável. É isso.”

Conforto...

“Pensei que seria difícil viver uma vida baseada em uma farsa novamente, mas é diferente agora. Enquanto no meu antigo casamento eu precisava mascarar uma realidade e fingir que estava feliz, agora eu simplesmente estou feliz, de uma maneira curiosa, confesso, mas verdadeiramente livre para perceber felicidade em coisas simples, como por exemplo, fazer parte da vida de outras pessoas, que é o que vem acontecendo desde que casei com Alfonso.”

Felicidade...

“Os pesadelos ainda estão aqui, ainda tenho dificuldade para dormir e marcas de um passado que estou tentando deixar para trás, mas também há uma esperança, como se eu estivesse, novamente, recebendo uma nova chance de voltar a sentir que sou digna de afeto.”

𝙐𝙣𝙞𝙙𝙤𝙨 𝙋𝙤𝙧 𝙐𝙢 𝘾𝙤𝙣𝙩𝙧𝙖𝙩𝙤 Onde histórias criam vida. Descubra agora