Capítulo 34

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     Era uma revelação completamente inesperada. Ruth poderia esperar por tudo, menos por Anahí dizendo que tinha matado o homem que havia privado e roubado toda uma vida e esmagado suas metas e sonhos. Sua voz, por um instante, parecia ter se dissipado. Por um lado, Ruth tinha consigo os fatos de que havia conhecido e convivido por um tempo com os pais de Anahí, que tinha feito parte de sua vida, apesar de não ser tão próxima vira Henrique criá-la sozinho após a morte de Tisha, tinha acompanhado com o falecido marido a luta do homem que perdera a mulher e que tentava reerguer-se com a filha, fazia tanto tempo, o próprio Alfonso ainda era muito pequeno, assim como Maite, se alguém parasse para dizer-lhe que anos mais tarde o filho estaria casado com a garota sorridente que Anahí era na infância e nos momentos que a vira durante sua adolescência, enquanto os filhos também cresciam, não acreditaria nunca. Tampouco imaginaria o quanto a mesma sofrera em um relacionamento que pôde acompanhar de longe, e quem não soube quando o anúncio do noivado fora anunciado? Anahí era filha de um empresário renomado e influente, começava a seguir os passos do pai nos negócios, e Rodrigo, um jovem e recém advogado que vinha de uma família também influente e que acabava de se associar ao irmão mais velho para assumir o escritório da família. Ainda que não fossem celebridades ou algo do tipo para estarem na manhã seguinte em algum veículo da imprensa, pareciam tão importantes quanto, então quem não saberia da notícia? Algo que Ruth também jamais poderia imaginar era como a vida dos tão logo recém casados seria, o que Anahí estava revelando pouco a pouco naquela conversa que a deixava, no mínimo, nauseada.

Após o choque passado, o que conseguia raciocinar era somente sobre como a mulher à sua frente havia suportado tanto sofrimento. Rodrigo era um homem cruel, sem escrúpulos, enquanto escutava a nora relatar os seus últimos minutos de pesadelo, tentava controlar a própria revolta. Imaginava quantas mulheres não haviam passado por algo parecido, quantas ainda não viviam o mesmo pesadelo? Sentia o coração apertar com as próprias constatações mentais, não era só pela nora que Ruth se via em revolta, Anahí tinha conseguido livrar-se, mesmo depois de tanto sofrimento, mas e tantas e tantas outras que no fim, acabavam mortas? Os números não deixavam totalmente claro, porque muitas ainda eram silenciadas, mas estavam por aí para comprovar, por toda parte e era agoniante só de imaginar. Como mulher, Ruth sentia-se agredida e como se sua própria voz fosse silenciada junto com o número de mulheres que viveram um relacionamento abusivo e eram mortas. Ali era a própria história que Anahí contava, como uma sobrevivente, no entanto, ao tentar imaginar, a sensação de revolta era inevitável.

Por mais que quisesse dizer algo para confortar a nora, sentia que nenhuma palavra no mundo seria de fato, suficiente. Só o que lhe restava era tentar consolá-la naquele momento, apesar da visível dor ainda presente, fazia parte de um passado. Um passado que Anahí tentava não mais revirer ou interferir em seu presente. 

— Ele não conseguiu roubar de você o direito de recomeçar, Anahí. E você recomeçou. – Ruth ainda a tinha em seus braços, acalentando-a. – Você o matou para salvar a si mesma e o bebê que carregava, o filho que você não teve tempo de querer até aquele instante que precisou lutar por ele.

— Era a única esperança que eu tinha, eu decidi que teria aquele bebê longe do Rodrigo, eu iria para bem longe dele assim que assinasse o divórcio, era a única esperança que eu ainda tinha e que eu me agarrava para ter forças pra continuar. – Anahí tinha o olhar novamente distante, não era um assunto consideravelmente fácil de ser tocado, Ruth não precisou de muito para constatar.

   Anahí então falou de como lembrava detalhadamente dos minutos que passou em silêncio dentro da sala daquele hospital, da cautela e brandura na voz da médica que já falava a algum tempo, mas suas atenções tinham captado somente as primeiras três palavras, seguidas de um “eu sinto muito” que ela mesma não conseguia entender, ou sentir, quem sabe. Não tinha tido nem mesmo tempo de digerir a gravidez, não até a ficha cair de que teria um filho com o homem que estava prestes a matá-la. Não até ter que implorar pela vida que carregava consigo, tendo uma chance, mínima que fosse, de ser rápida o suficiente para salvar a si mesma e para salvar aquele ser inocente, que de nada tinha culpa.

𝙐𝙣𝙞𝙙𝙤𝙨 𝙋𝙤𝙧 𝙐𝙢 𝘾𝙤𝙣𝙩𝙧𝙖𝙩𝙤 Onde histórias criam vida. Descubra agora