𝐄𝐏𝐈𝐋𝐎𝐆𝐎

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Nove meses depois.

Cecília respirou profundamente o ar gélido daquela manhã. Doía, mas a fazia se sentir bem. Olhou o horizonte e avistou bem longe uma grande pista de pouso. Aviões de grande porte iam e vinham a todo momento. Estava em uma praça pouco movimentada, geralmente muito visitada por turistas para ver as decolagens e pousos nos finais de ano.

Olhou ao redor procurando algum banco, quando avistou um, e se aproximou dele e se sentou. Suas mãos, mesmo que dentro de seu sobretudo, ainda estavam geladas. Seu nariz estava rosado e sua face avermelhada.

Passou a língua pelos lábios e quando aspirou o ar pode observar a fumaça branca se formando diante de seus lábios. Estava ansiosa. Respirou fundo.

— Está aqui a muito tempo?

A voz charmosa indagou atrás dela, a fazendo sorrir minimamente. Cecília ouviu o som de passos dados ao seu redor, segundos depois viu de rabo de olho uma sombra se sentar ao seu lado.

— Não, cheguei agora. — respondeu olhando-a pela primeira vez.

Estava deslumbrante, como sempre. Nos últimos meses havia abandonado os vestidos e agora trajava calças e sapatos sociais. Não usava mais laquê no cabelo, pelo contrário, eles estavam maiores e agora caiam ondulados pelos ombros. Não havia maquiagem em seu rosto ou brinco nas orelhas.

Se Cecília soubesse que deveria ir tão arrumada teria colocado um sapato mais bonito e penteado seu cabelo adequadamente.

— Você ficou muito bem nesse novo estilo. Combinou com você.

— Oh! — pareceu surpresa e encarou suas roupas. — Obrigada, Ceci. São novos tempos, preciso me adaptar. Me encontrar. — deu de ombros. — Você também fica bem de rabo de cavalo.

Voltaram a encarar o horizonte.

— Sobre o que gostaria de conversar? É algo sério. — a morena indagou com descaso, mas estava queimando de ansiedade por dentro.

— Nada em específico. Queria apenas te ver.

Cecília se sentiu observada.

— Sinto você estranha nos últimos meses. Por que não me conta o que está aprontando?

— Depende, vai me prender? Soube que subiu de cargo. Agora tem jurisdição para me por atrás das grades. — riu e abriu sua bolsa. — Tenho algo para você. — disse e retirou um envelope marrom de dentro da bolsa.

Cecília ameaçou abrir o envelope, mas Margot impediu, pondo a mão sobre a sua e abaixando-a até seu colo.

— Abra apenas quando eu estiver longe. O mais longe possível — alertou com um sorriso.

— Por que você tem que ser assim? — indagou risonha.

Perdão?

— Sempre fazendo essas coisas estranhas... Você é um imã de problemas, sabia?

Margot cruzou as pernas.

— É o meu charme.

Cecília encarou suas roupas e suspirou fechando seus olhos. Depois de alguns minutos em silêncio ela se pronunciou.

— Vai para onde depois daqui?

— Parece estar convicta de que vou para algum lugar. — tombou a cabeça com um sorriso.

— Margot, está fazendo nove graus e você está com uma blusa extremamente fina e seus sapatos não protegem seus pés. Não tente me fazer de boba. — sorriu e deu de ombros como se fosse óbvio. — Parece até que está indo embora. — ao constatar seu sorriso diminuiu um pouco.

Margot assentiu.

— É porque estou.. — disse baixo, seu tom agora soando melancólico.

— Por que você só não... fica? Eu sei o que você sente, você sabe o que eu sinto... Por que não pode ficar aqui? — indagou tentando soar o mais calma possível.

— Não quero ficar nesse lugar. Apenas tenho memórias ruins aqui. — bateu a mão em seu joelho revirando os olhos discretamente. — Não posso ficar.

— Ainda vou ver você de novo? — indagou mantendo seu tom baixo.

— Isso depende apenas de você, querida. — deu de ombros sorrindo maliciosamente.

— De mim? N-Não se importa em como eu vou ficar? — se amaldiçoou baixo por gaguejar daquele jeito patético.

— Você vai ficar bem. Sei que vai.

Cecília engoliu seco e assentiu vagarosamente. Margot por sua vez abaixou seu tronco e apoiou sua mão no ombro da mulher, selando seus lábios contra a bochecha dela com carinho.

— Eu te amo, srta. Winston. Nos vemos por aí.

Cecília a viu se afastar, mas não a acompanhou com o olhar. Se negava a vê-la indo embora mais uma vez. Sentia-se pesada, cansada.

O outono havia ganhado seu maldito ar melancólico de novo.

Enfiou o envelope na bolsa de qualquer jeito e voltou casa. Ao chegar, bateu a porta com força, trancando-a em seguida. Jogou a bolsa sobre o sofá e ligou a tv, tentando se distrair e não pensar em como sua mulher estava decidindo ir embora sozinha para algum lugar que não sabia qual era.

Deitou no sofá, mas seu olhar não estava na tv e sim sobre a bolsa. Depois de longos minutos segurando seu desejo, ela cedeu e pegou o envelope, abrindo-o apressadamente e vendo uma carta.

Seus olhos mansos correram por ela, conectando-se a cada palavra escrita naquela caligrafia linda. Respirou fundo.

"Olá, amor.

Sei que deve estar chateada com meu novo erro. Mas estou tentando acertar dessa vez, prometo. Dissemos que não nos prenderíamos uma a outra para deixar as coisas mais leves, mas acho que meu coração ama coisas caóticas. Se não há problemas e tragédias não consigo manter por muito tempo.

Sei que você tem muitas dúvidas, principalmente sobre o paradeiro de Simone. Não me pergunte, não faço ideia de onde ela esteja. Depois da noite que nos encontramos não a vi mais. Uma vez por trimestre recebo um cartão postal, entretanto nada além disso.

De qualquer forma, estou partindo porque fiz algumas coisas que não deveria (acho que sabe do que se trata). Angelina matou um dos meus maridos, Irene assassinou outro, mas se contarmos, bom, eu tive três... Em minha defesa, ele disse ter adorado a sopa. Acho que não conseguiu sentir os cacos de vidro moído."

Cecília riu baixo, mordendo os lábios.

"Balzec está me infernizando com perguntas que sinceramente não sei mais como responder. Preciso de um lugar onde eles nem sequer possam cogitar que eu tenha ido. Lugar quente, frio, muita areia ou muita neve. Onde uma milionária nunca passaria o resto de sua vida?

Sabe, nosso amor é estranho, esquisito de uma forma gostosa. Me soa cítrico. Nem doce, nem amargo. Viciante na medida certa. Gosto dessa loura que nos rodeia. Sempre que estamos juntas algo de ruim e excitante acontece. Abandono, estresse pós-traumático, assassinatos e essas coisas...

Aliás, espero que não tente me prender pois meu mais novo hobby é desaparecer como fumaça. Você é ótima com ratos, mas vamos ver o quão boa é caçando pessoas, srta. Winston.

Atenciosamente de sua eterna amante, 

Margot."

— Safada mentirosa. — murmurou se levantando calmamente do seu sofá.

Levou a carta ao nariz, inalando com paixão a fragrância do perfume de Margot. Soava como uma provocação. Exasperou pesadamente, caminhando até a cozinha. Ligou a boca dianteira do fogão, vendo a chama brilhar fracamente. Cheirou novamente, dessa vez com um sorriso nos lábios.

Levou a ponta da carta ao fogo, vendo o papel pardo se tornar preto e em seguida cair em cinzas pelo fogão.

Cecília suspirou apaixonadamente, sorrindo provocativamente àquela afronta.

— Certo, amor. Vamos ver se é tão boa em se esconder. Você tem três dias até que eu te encontre...

Cítrico | LésbicoOnde histórias criam vida. Descubra agora