Capítulo 39

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Eu: Era dia 20 de janeiro... Eu e a Malena fomos madrinhas de um casamento em Petrópolis de um casal de amigos. Eu fui madrinha com Denis e a Malena com Jorge. Os dois eram casados, mas era um casamento na igreja e por mais que nossos amigos nos amassem não poderíamos entrar juntas na igreja, enfim, isso é irrelevante. – suspirei – Eu amava pilotar. Antes mesmo de comprar um helicóptero eu já fazia aulas, até tirado a minha habilitação para helicóptero chamado PP, que só permite a pessoa pilotar para si próprio, com helicóptero privado ou alugado. E eu era muito boa nisso. Malena e eu vivíamos dentro daquele helicóptero, nossa filha vivia naquele helicóptero. Então fomos para o casamento nele e nossos amigos foram com a gente, já que voltaríamos no mesmo dia. Depois da cerimonia fomos para a festa que foi um almoço, brindamos e eu não bebi uma gota do champanhe, e ficamos ali até as 16 horas. Já estava na hora de voltar, não queria pilotar a noite embora eu tivesse experiência. Marina uma amiga nossa veio com a gente e voamos de volta. No meio do caminho meu painel apagou...

FLASH...

Malena: O que foi isso?

Eu: Não sei...

Malena: Priscilla? – falou apavorada. O painel acendeu novamente. – Meu Deus...

Denis: O que tem de errado?

Eu: O painel apagou inteiro... Não sei o que houve.

Jorge: Você revisou essa coisa né Priscilla?

Eu: Claro. Eu nunca entro nele sem mandar pra revisão.

Malena: A gente tá perdendo altitude... – Malena também sabia pilotar.

Eu: Calma... – tentava manter a Calma.

Marina: Eu não quero morrer num helicóptero gente... – falava assustada.

Eu: Ninguém vai morrer, calma. – falei nervosa.

Marina: Ainda estamos perdendo altitude, tira a gente de cima do mar Priscilla. – falou nervosa... Eu tirei a gente o máximo possível de cima do mar e o motor desligou. Eu tentava fazer uma queda controlada enquanto Malena, Jorge, Denis e Marina gritavam desesperados.

Eu: A gente vai cair... Posição de impacto.

Malena: Cuida da nossa filha....

Eu: Você não vai morrer...

Malena: Eu te amo... – a olhei nos olhos pela última vez e batemos num banco de areia na praia. Estavamos numa ilha entre Petropolis e o Rio de Janeiro. Por alguns segundos eu fiquei consciente, sentia muita dor e via muito sangue no meu corpo. Eu estava presa. Tinha fogo atrás, eu não via a Marina, o Denis e o Jorge estavam caídos no piso o cinto tinha arrebentado então eles certamente estavam mortos. Malena gemia, estava toda ensanguentada.

Eu: Amor... Fala comigo... Amor...

Malena: Cui...da da no...nossa fi...lha...

Eu: Não fe...cha os olhos, fi..ca fa..lando comi...go...

Malena: Eu... Te amo.

Eu: Eu te amo, não faz isso co...migo... – ela fechou os olhos e deu um longo suspiro. Senti minha pele queimar, o fogo tinha me alcançado e eu apaguei.

FIM DO FLASH...

Eu: Quando o fogo me alcançou, eu apaguei. Eu acordei novamente tudo estava escuro, eu sentia cheiro de combustível, eu sentia que meu corpo estava queimando e algumas pessoas mexiam em mim. Quando a claridade alcançou meus olhos eu estava sendo resgatada por pessoas comuns ali da ilha. Eles viram o acidente e correram e quando o fogo começou a tomar conta correram para ajudar e quando me alcançou, eles conseguiram apagar. E pouco depois ouvi sirenes, ouvi helicópteros sobrevoando a área. Quando acordei de fato, eu já estava no hospital e já tinham se passado 3 dias do acidente.

Nat: Nossa – secava as lágrimas que caiam.

Eu: Eu sentia muita dor, e a primeira coisa que vi foi meu braço e minha mão. Estavam desfigurados. Minha perna e parte do meu corpo também estavam. 134 pontos... Eu levei 134 pontos da minha perna ao meu braço além das queimaduras que eu tive. Quando vi meu rosto eu fiquei em choque, eu estava desfigurada. Isso que você viu, que você conheceu não foi nada perto de como meu rosto realmente ficou. Eu já passei por 5 cirurgias de reparação pelo corpo e rosto até agora e a mais importante foi essa de agora. Eu tive fratura nas duas pernas e nos dois braços, trauma de tórax, parte do meu pulmão esquerdo foi tirado. – suspirei.

Nat: Você é um milagre.

Eu: Pode-se dizer que sim. Mas eu quis morrer, quando eu recebi a confirmação que minha mulher tinha morrido e que o Denis e o Jorge morreram também. Eu só conseguia pensar que eu tinha matado minha esposa e meus amigos e tinha sobrevivido para sofrer todas as consequências e carregar todas as marcas desse acidente comigo para o resto da minha vida. Eu não pude ir ao enterro da Malena, eu não pude me despedir dela. Eu não tinha a menor condição de sair do hospital eu fiquei isolada, eu não podia ver minha família porque eu não podia correr o risco de pegar uma bactéria vinda da rua. Eu queria saber como estava minha filha no meio disso tudo e dei graças a Deus por não ter levado a Maya nesse casamento. Minha esposa foi enterrada sete dias após o acidente. A família dela toda veio para o Rio, e só os irmãos dela, Mariela e Aiden e meu cunhado Josh tentaram falar comigo, saber como eu estava. Eles puderam entrar e falar comigo por 5 minutos, disseram que eu não tinha culpa de nada, que assim que pudessem voltariam ao Rio. Quando minha mãe pôde entrar, ela disse que os pais da Malena não derramaram uma lágrima e foram embora no jatinho deles 2 horas depois do enterro.

Nat: Meu Deus, como eles podem ser tão frios? Nem parece que são pais da Malena e da Mariela.

Eu: Pois é. O Aiden é um homem incrível, você terá oportunidade de conhece-lo, soube que ele está de volta. Ele é tenente da marinha americana e está de volta a NY, está aposentado. Ele é o irmão mais velho e tem zero contato com os pais.

Nat: A família dela alguma vez te culpou?

Eu: Os pais dela e a avó sim, mas os irmãos, os tios por mais frios que fossem, nunca me culparam de nada. Mas eu me culpei... – solucei – Eu fiz o que eu pude... Eu tentei salvar a gente... Mas... Eu não consegui. Eu não devia ter sobrevivido. – chorava e ela me abraçou.

Nat: Calma, está tudo bem. As coisas aconteceram como tinha que acontecer. Você sobreviveu, você está aqui. Não precisa falar mais nada...

Eu: Eu preciso terminar, porque eu não quero mais tocar nesse assunto.

Nat: Tudo bem...

Eu: Quando eu pude receber visitas de verdade, já tinha se passado um mês e meio. Eu passava a maior parte do tempo na morfina porque eu sentia muita dor. Meu rosto estava infeccionado e eu tive que tomar uma medicação que me deixou muito inchada e eu estava péssima esse dia. Foi quando a minha mãe apareceu com a minha filha e ela se assustou. Ela disse que eu parecia um monstro. Eu não podia culpa-la, ela só tinha 10 anos, vivia uma vida de conto de fadas, perfeita, tinha acabado de perder a mãe biológica, sabia que não era a minha filha biológica e estava sofrendo e quando me viu, se assustou. Aquilo me arrasou. Naquele mesmo dia meus cunhados estavam de volta no Brasil, precisavam estar presentes para a audiência preliminar sobre o acidente e queriam passar um tempo com a Maya. Eles foram me ver, me ofereceram todo suporte do mundo. A casa deles em NY, os melhores médicos de lá, até apoio financeiro mesmo eu não precisando. Eu me sentia mal perto deles, porque até então eu me sentia tão culpada. Eu tinha tirado a vida da irmã deles, e eles estavam ali disponíveis pra mim. Quando voltaram da audiência estavam muito emocionados e eu estava com medo de saber o que aconteceu. Eu tinha prestado depoimento três vezes com tudo que eu me lembrava com detalhes. 

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