Karol chorou e desabafou por mais um tempo, quando finalmente parecia estar se tranquilizando, Alejandro afrouxou o abraço e ela se soltou dele, se recostou na poltrona, respirou bem fundo e segurando uma das mãos dela Alejandro perguntou bem suavemente:
- Melhorou um pouco?
- Uhum... - respondeu ela.
- Acho que você estava com tudo isso entalado desde terça... - explanou Alejandro.
- Eu tentei segurar o que pude, porque você sabe que não quero estressar minha mãe, nós falamos sobre tudo, mas sobre isso ... só confio em você. - deixou claro Karol.
- Porque estou aqui desde o início, eu sei de coisas que sua mãe nem imagina e acho melhor deixar assim mesmo. Por isso evitei que ela viesse junto, sabia que você tinha tido um gatilho e iria precisar colocar pra fora. Sei que tem muito mais aí dentro, mas aos poucos você vai lidando, parte a parte. - disse Alejandro compassivamente.
- Obrigado... por me entender, me ouvir... - agradeceu Karol.
- Ora meu bem, temos que ter alguém para falarmos nossas vulnerabilidades, do contrário ficamos loucos, e eu sou muito grato por poder ser essa pessoa pra você e bom, pra sua mãe também. - expôs Alejandro.
Karol o sorriu de lado com lábios fechados.
- Que tal irmos pro quarto lavar esse rosto e depois voltarmos pra comer algo no restaurante hum? - indagou Alejandro.
- Acho que sim... - respondeu Karol.
- Você precisa, não anda se alimentando direito, ou come um monte, ou não come, é preciso ter equilibrio minha linda. - seguiu Alejandro.
Dali foram caminhando de volta, Alejandro foi acompanhando Karol a segurando nos ombros, o rosto estava inchado, ela parecia estar remoendo pensamentos, mas ele trataria de ajuda-la a se distrair de tudo aquilo, para que ela pudesse analisar com outros olhos com mais calma em outro momento. Depois de passarem pelo quarto para Karol lavar o rosto, retornaram ao restaurante, Alejandro tratou de descobrir onde Carolina havia ido, enquanto Karol encarava o buffet novamente, mas dessa vez pegando mais comida de verdade, ainda em poucas quantidades e mas mais seletiva.
Ela se sentou a uma mesa que dava vista para o estábulo de cavalos, isso a distraiu bastante. Alejandro logo se juntou a ela com um pouco mais de sobremesa e a contou:
- Sua mãe bem madame, foi pro spa, está fazendo massagem renergizante e tratamento com pedras quentes.
Karol deu um risinho, mas seguia olhando para os cavalos, o que fez Alejandro seguir:
- Ja que você está olhando tanto, se você comer tudo direitinho do seu prato, depois vamos andar a cavalo, o que acha?
- Eu iria adorar! - respondeu ela com uma certa animação, que Alejandro não via a dias.
- Então trate de comer tudo isso aí e logo vamos. - concluiu ele.
Ela comeu tudo que havia no prato, com dificuldade, mas fez de tudo para não parecer, deixou os talheres ao lado, cruzou os braços e ficou olhando para Alejandro que estava distraído com a paisagem, quando ele a notou, a elogiou e perguntou:
- Ahhh, comeu tudo, muito bem! Vamos então?
- Sim, vamos! - respondeu ela um pouco mais animada.
Porém ao levantar, ela sentiu uma leve ânsia, que passou brevemente, seguiu junto a Alejandro para área externa do hotel, rumo ao estábulo.
Caminhavam pelo caminho de paralelepípedos, quando a ânsia em Karol voltou, ela se distanciou de Alejandro, se apoiou no guarda corpo de mandeira da trilha para dar conta da sensação. Alejandro que estava uns passos a frente, chamou:
- Vamos Karol, vai ser muito bom!
Mas não ouviu ela vindo, ao contrário, quando se virou para ve-lá, ela estava apoiada no guarda-corpo, inclinada, vomitando, praticamente tudo que havia comido. Ele correu até ela, que se levantou, estava suando frio, lacrimejando e ainda se ouvia muito ruído de seu interior. Alejandro sempre andava com sua bolsa, tratou de pegar sua garrafa de água e entregar a Karol, enquanto a apoiava as costas com uma das mãos. Karol primeiro fez um bochecho, cuspiu, depois tomou um gole da água, respirou fundo, entregou a garrafa para Alejandro e enxugou os olhos com as mãos.
- Eu não devia ter incentivado você comer tudo como condição, por sorte foi aqui, imagina se é em cima do cavalo, seria bem complicado. Como você esta se sentindo, ainda quer ir, ou vamos dar um tempo por aqui? - se culpou e perguntou Alejandro.
- Vamos...nem que seja só pra ficar perto dos cavalos... - respondeu Karol.
Alejandro a amparou, voltaram a caminhar pela trilha, conforme andavam Karol se estabilizava, aos poucos seu semblante foi voltando a ter uma leve animação, o que deixou Alejandro mais tranquilo.
Chegaram no estábulo, falaram com o responsável que os deixou entrar para interagirem com os cavalos. Karol viu um dos cavalos olhando pra ela e foi até ele, se aproximou com cuidado, tentou fazer carinho, foi aceita pelo animal, logo ela se abraçou a ele, o cavalo distintamente a amparou como se soubesse o que estava acontecendo com ela. Karol fazia carinho na crina, enquanto o cavalo a amparava nas costas, ambos estavam com os olhos fechados, como se estivessem se comunicando de outra forma.
Minutos depois ela se soltou brevemente do animal, olhou para o responsável e pediu:
- Eu quero cavalgar.
- Karol tem certeza? - questionou Alejandro preocupado.
- Tenho sim.- respondeu Karol convicta.
O responsável a ajudou a subir no cavalo, lhe deu breves instruções e ela saiu cavalgando devagar. As vezes soltava a rédia, abraçava o cavalo e o agradecia. Andar por aqueles campos sobre um cavalo tão doce, tornava a experiência única, algo que precisava mais do que ser aproveitado, ser vivido.
Ela se deixou levar por aqueles campos, o cavalo parecia conhecer muito bem cada canto da fazenda, ela simplesmente relaxou, o cavalo a levou para o desconhecido, ela apenas passou a apreciar o momento presente. Depois de passar algumas horas desbravando aquela terra, o sol começou a descer para o oeste, sinal de iria se pôr em breve, Karol não queria voltar, ela se sentía bem pela primeira vez em dias, queria assistir o espetáculo que se aproximava, foi quando abraçou o cavalo novamente e lhe perguntou:
- Se assistirmos o por do sol, você consegue me levar de volta estando escuro?
O cavalo surpreendentemente relincha suave como se respondesse "sim", Karol seguiu:
- Então vamos ver o por do sol!
O cavalo acelerou o passo, o que fez Karol lhe dizer rindo:
- Hei calma!
O cavalo a levou ao topo de uma das pradeiras, ele a havia entendido bem, pois a levou para um ponto estratégico para ver o poente.
Ela ficou ali, acomodada sobre o cavalo, sentindo a própria respiração, apreciando o sol se despedindo de mais um dia. Antes que o astro sumisse completamente trazendo a penumbra, o cavalo relinchou novamente a chamando a atenção e ela o retornou:
- Tudo bem, podemos voltar...
Cavalgando com muita calma o cavalo começou a retornar para região das trilhas, enquanto Karol seguia admirando o restinho do sol se perder na linha do horizonte. Quase chegando ao estábulo, ela abraçou o cavalo novamente com muito carinho e o disse:
- Muito obrigado, você foi muito gentil...
Já no estábulo ela desceu do cavalo, o responsável veio até eles e disse segurando a redia do cavalo:
- A levou pelo passeio mais longo não é Capitão...
- Você se chama Capitão... hunf... - abraça novamente o cavalo - Obrigado por tudo Capitão. - se despediu Karol.
- Você quer companhia para voltar senhorita, ou quer ir sozinha? - perguntou o responsável pelo estábulo.
- Eu agradeço, mas vou sozinha, a parte as trilhas ficam lindas a noite com essa iluminação... - respondeu Karol.
- Foi planejado para dar sensação de magia... - disse o homem.
- Pois conseguiram... bem boa noite! - se despediu Karol sendo retribuida.
Ela passou percorrer a trilha até a fonte e de lá voltar para o hotel. Pelo caminho as luminárias eram feitas de uma haste que se subdividia em umas seis, em cada ponta havia um globinho de luz quente e reconfortante, parecia o mundo das fadas, em alguns momentos durante o trajeto Karol teve certeza de ter visto uma voando pelos canteiros.
Chegando de volta ao hotel, imaginou pela hora que sua mãe e Alejandro estariam no restaurante para jantar, portanto ela tratou de ir direto para o local. Como esperado em uma mesa de frente para uma das janelas, os dois estavam sentados conversando, quando Carolina notou a filha vindo se juntar a eles.
- Filha, estava começando a me preocupar! - contou Carolina.
- Estava andando a cavalo pela propriedade e quis assistir o por do sol. - explanou Karol se sentando junto a eles.
- Estava até agora cavalgando? - perguntou Alejandro.
- Estava sim, aquele cavalo era muito gentil, e não sei, ele parecia me compreender, era como se soubesse exatamente do que eu precisava, acho que amanhã vou andar com ele novamente por aí... - respondeu Karol.
Ao ver o semblante de sua filha mais relaxado Carolina preferiu se abster de dizer qualquer coisa, ela sabia que o passeio havia feito muito bem a Karol, por isso apenas sugeriu que jantassem para poderem irem dormir cedo, para desfrutar mais do local desde as primeiras horas da manhã.
No dia seguinte, perto das nove, Karol acordou um pouco mais descansada depois de 12 horas de sono continua, ainda não estava de sentindo plenamente revigorada, mas se sentía melhor. Ao se sentar na cama percebeu que estava sozinha no quarto, mas sua mãe havia lhe deixado um bilhete lhe dizendo que ela e Alejandro tinham feito um itinerario para eles aproveitarem a estadia, e a deixaram dormindo para descansar bem, mas que os encontrasse perto da meio dia para almoçarem. Karol seguia sem muito apetite, no jantar da noite recente ela pouco comeu, tinha certa aflição de comer e vomitar novamente como no dia anterior, mesmo assim se arrumou e foi até o restaurante ver se havia algo leve que pudesse comer no café. Ela comeu uma maçã e duas bolachinhas de água e sal, aproveitou para ver o estábulo pela janela, haviam uns dois cavalos a mais do que no dia anterior, mas Capitão estava lá, ele era um cavalo bem marcante, era de pelagem arlequim, marrom e branco, a crina era um pouco mais clara e longa, além de bonito, era muito cuidadoso e gentil. Depois de comer brevemente, ela saiu em direção diretamente ao estábulo, assim que o cavalo a viu relinchou a parecia animado, o responsável ao perceber o disse;
- Sua amiga voltou Capitão, ela parece melhor, mas ela precisa ir mais fundo, você sabe o que fazer.
Karol entrou no estábulo, com muita cortesia cumprimentou o homem, que sabendo de sua intenção já a ajudou a subir no cavalo, assim que ela se acomodou, o abraçou e o disse:
- Bom dia Capitão! Onde você vai me levar hoje?
O cavalo relinchou e ela seguiu:
- Você é o capitão, sou eu que vou onde você me levar.
Dessa vez o cavalo a levou a leste da fazenda, onde o caminho era em meio a uma floresta mais aberta de eucaliptos, muito altos e muito aromáticos, mais adiante cruzaram um rio de margeamento estreito, subiram uma colina, parecia o lugar mais alto da propriedade, se via tudo dali, a linha do horizonte se esmanhecia até onde os olhos podiam dar definição, era um visão muito calmante, dava noção de imensidão. Naquele momento Karol se sentiu uma folha em uma imensidão, mas uma imensidão em uma folha.